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“O que Sócrates diria a Woody Allen?” (2005)

Quando a filosofia dialoga com o cinema encontramos um livro para filólogos e cinéfilos

Por Luiz Joaquim | 22.10.2019 (terça-feira)

publicado originalmente em 29 de janeiro de 2005 na Folha de Pernambuco.

O título já é especialmente feliz: O que Sócrates diria a Woody Allen? (Editora Planeta, 304 págs., R$ 47 [valor de 2005]). Quando vincula dois respeitados ícones, um da filosofia e outro do cinema, o autor espanhol, Juan Antônio Rivera, já arrebanha uma considerável gama de interessados em seu livro. Logo na introdução, o catedrático explica que o livro “pretende ser ao mesmo tempo uma introdução à filosofia para os amantes de cinema e uma introdução de cinema para os amantes da filosofia (filólogos)”.

Vendido como um Mundo de Sofia cinematográfico, o livro visita 26 filmes sob os quais desdobra questões psicológicas e morais nas entrelinhas dos roteiros. É importante salientar que as obras analisadas não são todas do cineasta novaiorquino no título. Mas Allen é quem tem a maior quantidade de filmes listados (Hannah e suas irmãs, Memórias e A rosa púrpura do Cairo). O critério na escolha das obras, conta Rivera, corresponde a força pela qual ao filme ilustra questões filosóficas. Só depois é que o autor leva em conta a excelência estética da imagem.

Assim, o catedrático explica o fato de ter incluído obras de pouco destaque, como Cidade dos anjos ou Homem de família (sobre o qual dedica um bom número de páginas), e ainda tê-las colocado ao lado de clássicos inconteste como Cidadão Kane, Casablanca e Sindicato de ladrões, só pra citar alguns. E como Rivera aproveita idéias de pensadores clássicos como Kant, Santo Agostinho, Platão, Nietzsche e, claro, Sócrates nos filmes que avalia?  Em quase todos os casos, ele exemplifica com uma situação posta pela produção para depois destilar uma teoria.

Por exemplo, quando avalia Hannah e suas irmãs, em particular o personagem hipocondríaco de Allen, Rivera levanta reflexão sobre o intelectualismo socrático e as utopias do totalitarismo. No filme, Allen está desesperadamente tentando encontrar sua religiosidade para  balancear seu conforto espiritual. Daí sai em busca do catolicismo, do hare-krishna mas percebe que as doutrinas das duas religiões não lhe apeteciam. Allen conduz o filme a um resultado no qual é o amor lhe dá o que vinha procurando.

Rivera salienta isso, assim como o faz com Cidadão Kane, ao vincular as últimas lembranças do magnata Charles Foster Kane (Orson Welles) com tudo o que conseguiu na vida, suas últimas lembranças remetiam à infância. Época em que tinha para si o verdadeiro calor afetivo. O de sua mãe.

Além do amor, questões eternamente caras a filosofia, tais como a felicidade, a racionalidade, a falta de vontade, e outras, são extraídos dos filmes como reflexos para Rivera descascar relações intrínsecas aos conflitos humanos. Violência, por exemplo, é analisado por personagem Alex, de Laranja mecânica.

Quem viu o filme, lembra que o protagonista passa por um tratamento terapêutico chamado Ludovico, cujo procedimento consistem condicionar uma fobia no paciente para  inibir certas ações. No caso de Alex, a ultraviolência. A partir daqui, Rivera desenvolve teoria que só vencendo a invalidez física, a invalidez moral (capacidade de decidir entre fazer o bem e o mal) pode triunfar. Já Filmes como Blade runner, de Ridley Scott, e Viver, de Akira Kurosawa, servem de exemplo para ressaltar que só em momentos extremos na vida, como a proximidade da morte, as pessoas “modificam a cor e o sabor” de sua existência.

Ao final do livro, Rivera cita Stendhal, e seu livro Do amor, que ele diz ser “inclassificável, entre a obra de ficção e o ensaio”. E continua: “um livro que é para muitos a Lei e os Profetas em matéria de amor”. A menção ao escritor francês do século 19, encontra sentido quando Rivera explica que no virtuosismo de descrições de afetos que Stendhal faz, e na busca de seus personagens pela felicidade, reside a mais valiosa e rica das buscas do homem.

SERVIÇO:

“O que Sócrates diria a Woody Allen?”, Editora Planeta. / 304 páginas. / Preço sugerido (2005): R$ 47,00

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