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Festivais

3. Mostra Sesc (2019) – “Janelas do Tempo”

Musical e animação catarinense, Zé do Caixão praguejando em Brasília e um longo debate sobre distribuição

Por Luiz Joaquim | 06.11.2019 (quarta-feira)

PARATY (RJ) – Um longa-metragem musical catarinense? Realizado em Bombinhas, o menor município do Santa Catarina? Sim, existe, chama-se Abrindo as janelas do tempo e foi dirigido por Santiago José Asef. E a 3a Mostra Sesc de Cinema o apresentou aqui em Paraty, ontem (5), dentro do “Panorama Brasil – Sul”, seguido de uma outra impressionante surpresa: a animação em stop-motion Almofada de penas, de Joseph Specker Nys, também de Santa Catarina.

Antes da projeção, Aline Lúcia Vieira, produtora de Abrindo as janelas…, destacou que o diretor Santiago se refere ao musical como uma “ópera folclórica”, pela qual não temos nenhum diálogo ao contar a trajetória de um amor interrompido que marcou uma vida inteira de um homem e uma mulher.

O ‘folclórica’ está aqui também em função das canções que embalam todo o filme. Elas são de autoria e com performance realizada pelo grupo ‘Cantadores de Engenho’, no qual Aline Vieira é figura integrante e central.

As canções, apresentadas pelo grupo como parte integrante do enredo nos colocam no lirismo da cultural local e fazem as amarrações que nos conduzem à história da menina que viu seu primeiro amor partir da cidade.

De seu amor que partiu, a menina fica apenas com o seu trancelim de lembrança. É esse artefato que identifica a personagem ao longo dos três períodos temporais em que se desenvolve o enredo.

Ora mais envolvente, ora nem tanto, Abrindo as janelas… consegue, em termos visuais, chamar a atenção principalmente pela cuidadosa fotografia feita também por Santiago. O realizador consegue estabelecer em imagens a beleza natural da região sem soar óbvio (exceto por uma tomada ou outra aérea), e tem no elenco, com performance comedida, um equilíbrio estético.

Há, porém, algo desestabilizador aqui; residindo, talvez, no contraste do ritmo estabelecido para as apresentações musicais (um ritmo digamos ‘videoclípitco’) e o estabelecido para o que há entre elas, ou seja, uma dramaturgia de seus personagens, num tom de pretensões mais cinematográficas, e detentora, registre-se, de alguns planos valiosos.

Já a animação Almofada de penas nos leva a um lugar lúgubre, tanto em termos cenográficos quanto psicológicos da protagonista. Uma jovem mulher em conflito com o seu recente casamento, vivendo uma espécie de pesadelo entre a negação e aceitação.

Na apresentação, Specker Nys revelou que este projeto tomou seis anos de sua vida a partir de uma premiação do projeto Rumos, do Itaú Cultural. O empenho de tanto tempo debruçado sobre o trabalho aparece claramente na tela, pela qualidade técnica e criativa dada às soluções de animação que o filme apresenta. Destaque muito especial merece a fotografia e a cenografia (numa impressionante riqueza de detalhes), além da precisão dos movimentos.

PRAGA – Um pouco mais cedo, às 14h, no “Panorama Brasil – Centro Oeste”, a Mostra apresentou o curta-metragem A praga do cinema brasileiro (DF), de William Alves e Zefel Coff. Abrindo com imagens captadas no ano 2000 (e só liberadas para serem exibidas em 2018, por José Mojica Marins), o filme mostra nosso Zé do Caixão na Capital Federal seguindo para ao Congresso Nacional para rogar uma praga.

A cena, divertida, com Mojica numa moto triciclo pelas rua do DF, é logo encadeada por uma colagem de sequências feitas a partir de filmes brasileiros realizados entre 1962 e 1981. Todos eles, de forma explícita ou apenas sugestiva e/ou alegórica tocando em questões políticas que são caras à realidade de nosso País. De forma que é, ao mesmo tempo, prazeroso e doloroso ver A praga do cinema brasileiro.

 

Prazeroso porque nos lembramos da inteligência de obras como O desafio, Terra em transe, Tanga: Deu no New York Times; O 5o poder; Proeza de satanás na vila de leva-e-traz; Hitler terceiro mundo; Deus o diabo na terra do sol; A idade da terra; Memórias do medo; e O bandido da luz vermelha, entre outros.

Doloroso porque os discursos que soavam perigosos ou patéticos das autoridades ditatoriais mostradas nestes filmes agora soam familiares nos telejornais das tevês de 2019.

Foto, Luiz Joaquim

DISTRIBUIÇAO – No mesmo horário de ontem, às 14h, a Mostra Sesc ofereceu na Casa de Cultura da cidade uma mesa de debate sobre os desafios da distribuição de filmes autorais no Brasil. Trouxe representantes da Vitrine Filmes, Embaúba Filmes, Zeta Filmes, Olhar distribuidora e Fênix Filmes.

Em conversa que rendeu mais de três horas de duração, uma série de aspectos e dificuldades próprias do ofício foi coloca pelos participantes, como os desafios para alcançar pelas salas de cinema (e também fora desse circuito exibidor padrão) um público de filmes tanto estrangeiros-alternativos quanto brasileiros de baixo orçamento.

Foi pautado também a distorção estabelecida aos distribuidores pela taxa da virtual print fee (VPF) que precisa ser paga a um agente integrador para cada filme digitalizado; assim como as dificuldades estabelecidas pelo atual governo federal, não firmando a Cota de Tela para o ano corrente – e desaguando na exacerbada e criminosa distribuição de Os vingadores: Era de Ultron em cerca de 80% das 3.200 salas de cinema do Brasil.

Também foi comentada a recente nomeação do Pastor Edilácio Barra como superindente de desenvolvimento econômico para a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e sua previsível consequência, entre outras discussões concernentes ao mercado audiovisual nacional.

*Viagem a convite da Mostra

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