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Festivais

27. Festival des 3 Continents (2005), dias 3 e 4

Diversidade e empatia do público marcam festival francês

Por Luiz Joaquim | 29.11.2019 (sexta-feira)

– acima, still de Ichi, The Killer – texto publicado originalmente em novembro de 2005 no jornal Folha de Pernambuco.

NANTES (FR) – A primeira manifestação que chama atenção nas sessões do Festival des 3 Continents (F3C) nesta cidade a oeste da França é o interesse e respeito dos franceses por produções de países da África, América Latina e Ásia. Não se sabe até que ponto o F3C, que existe há 27 anos, é responsável pela formação desse público educado e seco por cultura estrangeira. Às 10h da manhã de quinta-feira (6h no Recife) foi exibido pela mostra competitiva, para um auditório lotado numa das salas do complexo Katorza (no centro de Nantes), o filme Play.

Dirigido pela chilena Alicia Scherson, o longa-metragem revela aos poucos uma Santiago (capital do Chile) admirada pela índia Cristina (Viviana Herrera) e vista por indiferença pelo arquiteto recém-separado Tristan (Andrés Ullua). O filme de Scherson é proposto como uma fábula urbana e, apesar de alternar humor e drama em doses desiguais, agradou os nantenses.

Quatro horas depois, outro filme mostrava (em projeção digital) personagens com falas do tipo: “Tem xangô em Água Fria” e “Você soube que o Santa-Cruz ganhou o jogo?”. Era O Canto do Mar, filme rodado por Alberto Cavalcanti em 1953 no Recife. A miséria mostrada no clássico brasileiro não impressionou tanto quanto a representada em Sulanga Enu Pinisa (La Terre Abandonnée, Sri-Lanka, 2005), em competição. O belo e triste filme do iniciante Vimukthi Jayasundaria, esteve na mostra Um Certo Olhar de Cannes 2005, mesma em que esteve Cinemas, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes.

Quase sem diálogos, com arrebatadora fotografia e uma precisa economia de imagens, o filme apresenta a família de um soldado miserável que guarda uma estrada que parece não trazer nada de lugar nenhum, a não ser outros soldados num caminhão prontos para uma guerra civil. Enquanto a filha pequena do protagonista desperta para os detalhes da natureza, a mais velha descobre o sexo. Já a irmã solteirona do soldado, parece resignar-se com a impossibilidade da felicidade.

Still de Sulanga Enu Pinisa

Tudo isso é acompanhado em paralelo pela lenda de uma velha anã que sempre buscou o amor sem nunca o ter alcançado. No debate após a projeção, Jayasundaria revelou que o filme teve duas exibições no Sri-Lanka, e não deve exibir mais, pois as autoridades viram a obra como uma má propaganda para o país. O diretor lembrou que a pior propaganda é a verdade mantida em segredo pelo governo dali, que “fez desaparecer” mais de 30 mil pessoas nos últimos 16 anos. “Sulanga…” tem o mérito de que nunca ficará velho. Poderia ter sido visto há 50 anos ou daqui a outros 50 que provocaria a mesma emoção.

Outro trabalho em competição, exibido sexta-feira, foi o iraniano Café Transit (2005), de Kambozia Partovi. Longe da estética habitual nos trabalhos iranianos que chegam ao Brasil, este corre solto, sem lentidão, numa narrativa bem comum às produções européias. Talvez por isso tenham agradado tanto a platéia do F3C. O tema, entretanto, ainda carrega o peso da cultura iraniana, quando mostra a ousadia de Reyhan (Parvis Parastoei), uma viúva, mãe de dois filhos que resolve reabrir sozinha um restaurante do falecido na beira de uma estrada. Sob o protesto do cunhado, que quer lhe arrumar um casamento para que não seja malvista, ela se envolve com um caminhoneiro grego e avança numa luta contra o tabu daquela cultura.

Já na sessão das 22h na sala Vasse, um conglomerado de jovens urrava de ansiedade enquanto o programador do espaço anunciava o início de Koroshiya (Ichi, The Killer, Japão, 2001) na “Sessão Absurda”, promovida uma vez por mês naquele espaço e incorporada na mostra “Continente B” do F3C, este ano dedicada aos vilões.

A trama gira em torno do sumiço de Anjo, poderoso chefe de uma gangue yakuza. Ele desapareceu com 100 milhões de yens enquanto esmurrava e transava, ao mesmo tempo, com um prostituta. Quem sai a procura dele é Kakihara, um torturador masoquista que aos poucos descobre que Ichi foi o responsável pelo sumiço de Anjo. Para chegar a Ichi, Kakihara vai interrogando todo mundo sob impensáveis formas de provocar dor. A cada malvadeza na tela, o público em Nantes gemia de agonia e virava o rosto. Sexo violento, sangue e pele rasgada somam a especialidade de Kakihara, que tem piercings nos dois cantos da boca para segurar suas bochechas cortadas. Não é exagero dizer que este filme é o mais graficamente violento que esse repórter já viu. Koroshiya é doente e hipnótico.

Saiba mais sobre o contexto de nossa cobertura no 27. Festival de Trois Continents clicando aqui.

* O repórter viajou pela Fundaj e com apoio da Prefeitura de Nantes (FR).

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