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Críticas

Um Dia de Chuva em Nova York

O pequeno Gatsby

Por Luiz Joaquim | 23.11.2019 (sábado)

Você lerá muito por aí: “Não é um de seus melhores” em infinitos textos analisando o mais recente Woody Allen – Um dia de chuva em Nova York (A Rainy Day in New York, EUA, 2018) – em cartaz no Brasil desde quinta-feira (21).

Apesar de correta é simplista a assertiva. E podemos ir direto ao ponto para tentarmos entender a possível razão dramatúrgica que explique o pretensiosamente chato “não é um de seus melhores”.

O tal “ponto” seria: ao seguirmos, no filme, os passos e os pensamentos do protagonista Gatsby (Timothée Chalamet) do início ao final em Um dia de chuva… não descobrimos um personagem tão envolvente em suas idiossincrasias, ansiedade e neuroses – elementos preciosos, ou melhor, elementos fundamentais no universo que Allen cria para estabelecer a empatia do espectador.

Diferente de sua Ginny (Kate Winslet, em Roda gigante, 2017), para ficarmos só numa comparação mais recente, Gatsby (e atentem à carga dramática deste nome) não tem a mesma força trágica e, por conseguinte, comovente que tem a amargurada Ginny.

No enredo, Gatsby retorna a Nova York por um fim de semana, onde reside sua rica família, acompanhando sua namorada, a estudante de jornalismo Ashleigh (Elle Fanning, de Super-8, fascinante). Ela conseguiu uma entrevista exclusiva com o famoso cineasta outsider Rolland Pollard (Liev Schreiber).

O plano do casal é, portanto, após a entrevista, aproveitar a sedução da cidade em exposições como a de Weegee e um jantar romântico, tudo regado pelo melancólico clima chuvoso daquele dia.

É o clima preferido de Gatsby, que vive em eterno conflito com a família, em particular sua mãe, obcecada por cultura e sofisticação, enquanto o filho só se interessa pela simplicidade do submundo, por assim dizer, referindo-se à jogatina, ao clima de pianos-bares e à prostituição.

Importante destacar isto uma vez que é elemento determinante para o desfecho de baixo impacto de Um dia de chuva…

Enquanto isso, na medida em que tudo vai transcorrendo de modo inesperado para Gatsby, sua namorada Ashleigh – a garota da rica e matuta cidade de Tucson, Arizona – também tem os seus planos da viagem saindo da régua na medida em que se envolve com três estrelas de Hollywood.

Elle Fanning como Ashleigh

Além de Pollard, Ashleigh tem mais do que uma conversa profissional com o roteirista Ted (Jude Law) e com o galã Francisco Vega (Diego Luna). A mistura de deslumbramento, inocência e atrapalho (atenção para o soluço da moça sempre que diante de um impasse sexual), compondo essa linda mulher diante desses homens poderosos, pode ser lida em 2019 como uma diminuição da figura feminina.

Mas, numa segunda revisão, é fácil também perceber que Allen não construiu nenhuma boba aqui. Numa posterior conversa com Gatsby, Ashleigh explica objetivamente o tipo de circunstância que viveu com cada um dos poderosos. Explica consciente de seus lugares ali.

As tais circunstâncias estão lá pela graça da situação. Inclusive a de ter de fugir de um ambiente usando apenas roupa íntima (a piada é antiga. Vide o conto de Fernando Sabino, O homem nu, que gerou dois filmes). A circunstância em Um dia de chuva… serve de mote para uma piada posterior entre o casal.

Nesse sentido, a empolgação, o brilho e a alegria de Ashleigh ressoa mais forte do que tudo em Um dia de chuva… Muito do crédito disto está em Fanning – e se quiserem escolher um único exemplo, ele poderá ser o da moça explicando, num jantar com Francisco Vega, o que lhe acontece quando ela bebe demais.

Aqui parece haver, portanto, um contraste que nos confunde em Um dia de chuva… A alegria de Ashleigh briga com a melancolia do protagonista Gatsby. Melancolia que parece ter menos espaço do que possui no filme. Da mesma forma que é pouco o espaço de seus encontros com Chan (Selena Gomes), irmã mais nova de uma ex-namorada que reencontra por acaso e revela-se a mulher que realmente encaixa em suas idiossincrasias.

A relação Gatsby-Chan é a típica dos belos romances de Allen. Com dois intelectuais se debatendo e se desejando ao mesmo tempo (o clássico Noivo neurótico, nova nervosa vem à mente). E é ela – esta relação – que rende os melhores diálogos em Um dia de chuva… São, entretanto, poucos e, talvez, uma das razões pelas quais o espectador saia da sessão achando que merecia mais do que teve ali.

Selena Gomes e Timothée Chalamet em “Um dia de chuva em Nova York”

STORARO –  Apesar do deslumbre que são a luz e a composição fotográfica de Vittorio Storaro – repetindo a parceria com Allen feita em Roda gigante ­– a grande maioria das sequências que vemos em Um dia de chuva… são de internas e não da paisagem nova-iorquina.

Ou seja, uma das possíveis expectativas que se tinha a respeito de Um dia de chuva em Nova York era a de encontrarmos retratos nada menos que inesquecíveis daquela particular cidade. Expectativa razoavelmente compreensível considerando que estamos falando aqui do diretor de Manhattan (1979) e do diretor de fotografia de O último imperador, ambos elegendo Nova York como uma coprotagonista do filme. Infelizmente, a cidade surge mais como uma figurante.

CURIOSIDADES – (1) – Interessante observar o vilão da vez que Allen estabelece, veladamente, nas entrelinhas de Um dia de chuva… Se em Desconstruindo Harry (1997) os vilões eram os advogados, estabelecidos num lugar privilegiado no andar do inferno durante a descida de elevador até lá, no mais recente filme o jornalismo, pela boca da própria estudante de jornalismo, é comparado a “mais antiga das profissões”. E quando Ashleigh defende o jornal de sua faculdade, explicando que ele não é um tabloide, escuta uma sonora condenação: “Todos os jornais são tabloides!”

É difícil separar as pitadas de ironia de Allen com relação ao que lhe acontece ao redor. Fosse em 1996 contra os advogados, durante sua separação com Mia Farrow, seja em 2018.

(2) Com Um dia de chuva em Nova York tendo sido bloqueado para lançamento em 2018, como originalmente previsto, em função de controvérsia, marca a primeira vez, desde 1981, que Allen não tem um filme lançado nos cinemas. Desde sua estreia em 1969 (Um assaltante bem trapalhão) ele escreveu e dirigiu um longa-metragem em todos os anos subsequentes – exceto em 1970, 1974, 1976, 1981 e 2018. Nos últimos 50 anos, houve apenas 5 anos em que o mundo não viu um filme de Woody Allen lançado nos cinemas.

(3) Jude Law disse em dezembro de 2018 que era “uma vergonha terrível” o filme de Allen ter sido arquivado. Até ali não havia data oficial para seu lançamento.

(4) Este é o 48º longa-metragem de Woody Allen, incluindo o televisivo Don’t drink the water (1994)

(5) Rebecca Hall (que concorreu ao Globo de Ouro como atriz por Vicky, Cristina Barcelona, 2008, e é coadjuvante em Um dia de chuva…) doou seu salário integral neste novo filme ao movimento Time’s Up depois de reconsiderar as acusações de agressão sexual contra o diretor após o escândalo de Harvey Weinstein.

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