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Críticas

Adoráveis mulheres

As artísticas, românticas, autossuficientes, elétricas mulheres de L. M. Alcott modernizadas por Gerwig

Por Luiz Joaquim | 08.01.2020 (quarta-feira)

Greta Gerwig. O brasileiro conhece ela como atriz do sucesso Frances Ha (2012) e de Mistress America (2015), ambos dirigido por Noah Baumbach, além do pouco circulado Maggie tem um plano (2015), de Rebecca Miller.

A conhece também por Lady bird: a hora de voar (2017), primeiro longa-metragem solo do qual assina a direção e roteiro. Com ele, Gerwig já concorrera ao Oscar pelas duas função. Antes passara indicada ao Globo de Ouro como atriz comediante em 2018 pelo ótimo Frances Ha. 

Todos esses seus trabalhos nos remetem imediatamente a personagens jovens, em transição à vida adulta e em algum conflito pessoal/amoroso/social e, ainda, a uma elétrica vida em Nova Iorque.

A partir de amanhã (9), o brasileiro irá conhecer o novo trabalho daquela que há pouco anos chegou a ser chamada de ‘Woody Allen feminina’ (expressão que pode soar, para alguns em 2020, como um insulto a Gerwig, não para Allen). Seu novo filme, dirigido e roteirizado é Adoráveis mulheres, tem como base a novela Little women, original de 1868/1869, escrita por Louisa May Alcott. Traz um elenco estelar, mas guiado pela mesma talentosa Saoirse Ronan, de Lady bird, e que primeiro brilhou no ótimo e subestimado Brooklyn (2015), de John Crowley.

A propósito, aos 25 anos, Saoirse pode ganhar na próxima segunda-feira (13) sua 4ª indicação ao Oscar como protagonista em Adoráveis mulheres. 

No enredo, estamos no século 19, e Saoirse é Jo. A irmã mais velha de um grupo de quatro jovens cuidadas apenas pela mãezinha (Laura Dern) e a secretária doméstica Hannah (Jayne Houdyshell), uma vez que o patriarca (Bob Odenkirk) está distante, defendendo o País.

O desenho criado por Alcott para a personalidade das quatro meninas/mulheres é uma das razões que tornou o seu livro um  sucesso. É perfeito para explorar as múltiplas e atemporal facetas femininas. Jo, durona e decidida, quer ser uma escritora (e é inspirada na autora Alcott). Beth (Eliza Scanlen) é generosa e caridosa, assim como a mãe. Amy (Florence Pugh) tem pretensões artísticas inclinadas às artes plásticas e cultiva uma vaidade física que lhe ajuda socialmente. Já Meg (Emma Watson) tem como desejo um autêntico romance e um casamento feliz.

Considerando a época em que foi escrito, Little women trazia ainda em si um recado à sociedade patriarcal de que assuntos de mulher também importavam. Fosse pelo apresentando no volume 1 do livro (1868), quando Alcott foca na infância da família, fosse na fase adulta da mesma família (volume 2, de 1869).

Pulamos para 2020, e o que vemos no filme de Gerwig é uma refinada junção entre os dois volumes, com o que acontece (no filme entrelaçado na narrativa) nas duas fases da vida das irmãs. Tudo amarrado por uma edição iluminada por sutilezas. Seja pelo encadeamento das situações dramáticas, seja pela distinção das cores na fotografia dos dois momentos. Emprestando distinção à alegria juvenil, com cores e contraste fortes; e mostrando as apreensões da vida adulta em tons mais monocromáticos e pouco contrastantes.

Afora essa precisão técnico-criativa, Gerwig brinca com as possibilidades que a novela de Alcott oferece para ressaltar discursos importantes que ainda precisam (infelizmente) ser ressaltados no século 21. Quando, por exemplo, Jo desabafa para mãezinha que não concebe que as mulheres sejam reconhecidas apenas pela beleza; e sofre por se sentir intelectualmente sozinha naquela segunda metade dos século 1800.

O tom a respeito de como uma mulher era tratada naquele momento já é dado de cara na sequência de abertura do filme. Quando Jo tenta convencer o editor de um periódico em Nova Iorque a publicar seu conto. Na sala do editor, ele ordena Jo a sentar-se: “Sit!” (Senta!), como quem se dirige a uma cadela.

Num outro momento, Meg explica tin por tin ao abastado amigo de infância, Laurie (Timothée Chalamet, de Um dia de chuva em Nova York) o porquê o casamento ser uma circunstância financeira para as mulheres mas não para os homens daquela época. E Meg o diz olhando para a câmera. Caminhando em direção a ela. Em direção a nós, na verdade. Espectadores do século 21.

Ainda no aspecto técnico-criativo, Gerwig e seu montador Nick Houy deram uma dinâmica a este Adoráveis mulheres (há outras sete versões audiovisuais) que o torna muito próximo do ritmo audiovisual próprio a manter a atenção do jovem de hoje para uma tela de cinema.

É revigorante, essa dinâmica. E talvez esperançosa no sentido de que faça os jovens descobrirem a literatura eterna de Louisa May Alcott.

Curiosidades 

  • Little Women foi traduzido pela primeira vez para a lingua portuguesa por uma editora de Portugal, em 1872, com o literal título de Mulherzinhas. Pela sugestão pejorativa do termo, tal título seria impensável no século 21.
  • Se você gostar da cumplicidade das irmãs e da luta da protagonista para ser um escritora em Adoráveis mulheres, conheça a cumplicidade das irmãs e a luta da protagonista para ser um escritora de Um anjo em minha mesa (1990), de Jane Campion.
  • Ainda no elenco de Adoráveis mulheres, Meryl Streep, como a tia-avó rica e azeda das irmãs March; e Louis Garrel como o professor charmoso que chama a atenção intelectual e emocional de Jo March.

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