Roterdã, IFFR (2020) Tierra Adientro e Panquiaco
Floresta de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, sob perspectivas bem distintas em dois filmes panamenhos
Por Luiz Joaquim | 27.01.2020 (segunda-feira)
– acima, still de Panquiaco
ROTERDÃ (HOL.) – Tierra adientro, de de Mauro Colombo – (Programa Bright future) – O primeiro longa-metragem do cineasta panamenho Mauro Colombo é um documentário sobre a floresta de Darién, entre a Colômbia e o Panamá. Em seus primeiros minutos, como o título anuncia, o cineasta mergulha no coração da floresta. Esta me parece a parte mais interessante do filme, já que, com muito pouca contextualização, perscrutamos os mistérios da floresta, por meio da ação de seus agentes – atravessadores, membros do exército, exploradores de madeira, estrangeiros em trânsito. O filme consegue instaurar um sentimento de grande estranhamento e tensão no interior da floresta. Ao mesmo tempo, percebemos sua imensidão, e seus aspectos místicos e misteriosos.
No entanto, Colombo não mantém essa abordagem até o final do filme. Pouco antes da metade, ele prefere preencher o filme com maior volume de informações, situando melhor o espectador dentro da cena, em geral por meio de depoimentos. É interessante percebermos mais explicitamente vários dos aspectos políticos e humanos que estavam subentendidos: o tráfico de madeira, armas e drogas, a pressão política e policial, a corrupção, as forças históricas que atuaram na floresta, antiga produtora de minério, a quantidade de imigrantes que buscam a floresta como caminho para chegarem aos Estados Unidos. Por outro lado, o filme perde sua força cinematográfica, ao deixar o mistério que envolvia entrarmos de fato na floresta e vivenciarmos um pouco essas tensões e esse clima fugidio.
De toda forma, é louvável o trabalho de pesquisa e o mergulho na realidade local desse realizador panamenho. É bem curioso vermos um filme panamenho com certo domínio de ambiências do cinema contemporâneo num festival como Roterdã.
Panquiaco, de Ana Elena Tejera – (Programa Bright future, em competição) – Outro filme panamenho foi exibido em Roterdã, dessa vez uma estreia mundial na competição da mostra Bright Future, voltada para primeiros filmes. Curiosamente, esse filme também envolve a floresta de Darién.
No entanto, Panquiaco se insere perfeitamente bem no modelo institucionalizado do cinema de arte europeu – ainda bem mais que Tierra adientro. Ana Elena estudou cinema e artes na Le Frenoy (França) e em Madrid. Seu projeto de filme participou de diversos laboratórios de desenvolvimento de roteiro – até estrear no Festival de Roterdã.
Panquiaco aborda a vida de Cebaldo, um velho senhor que deixa o trabalho ligado à atividade pesqueira num porto em Portugal para regressar às suas origens, no Panamá, em torno da comunidade indígena.
Ana Elena lida com grande habilidade diversos recursos em voga no cinema contemporâneo, especialmente pela forma como combina ficção e documentário. Ou seja, a diretora aborda os modos de vida de um personagem singular, uma pessoa comum que se transforma em um ator, e representa sua trajetória de vida por meio da composição de um personagem razoavelmente opaco, que expressa sua solidão e seu desajustamento diante do mundo contemporâneo por meio de raras palavras e mais por sua trajetória física. Desse modo, a travessia de Cebaldo se assemelha com os desafios de Argentino Vargas, o personagem de Os mortos, de Lisandro Alonso. Mas sem sua força bruta e sua radicalidade. Ana Elena prefere preencher o vazio como “recurso poético”.
Panquiaco é um belo filme, que expressa de forma humana e delicada os dilemas desse velho senhor, além dos costumes da cultura indígena no interior da selva latino-americana. No entanto, os acertos de Panquiaco me parecem denotar uma diluição de estratégias de abordagem já bastante revisitadas em outros filmes – o que a diretora reproduz com acerto, mas acrescentando pouco ao que já foi visto nesse tom. Desse ponto de vista, Panquiaco é um falso filme de risco, porque se insere com muita adequação num conjunto de recursos típicos de um cinema contemporâneo, mas que, por ora, parecem um tanto desgastados, por sua exaustão sem tanto brilho.
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