13º Cine Ceará (2003) – Cama de Gato e manifesto
50 cineastas assinam manifesto contra política dirigista da Eletrobrás e Stockler fala do T.R.A.U.M.A.
Por Luiz Joaquim | 07.05.2020 (quinta-feira)
– texto originalmente publicado no Jornal do Commercio (Recife), em 10 de maio de 2003 (sábado). Na foto, Caio Blat no filme Cama de gato, de Alexandre Stockler.
FORTALEZA (CE) – O tempo esquentou na última quinta-feira no 13º Cine Ceará. E nem foi pelo calor absurdo dentro do exuberante Cine São Luís de Fortaleza. A temperatura subiu por conta do manifesto lido pelo diretor do festival, Wolney Oliveira, que anunciava os insatisfação de 50 nomes de peso (encabeçado por Nelson Pereira dos Santos) da classe cinematográfica nacional com relação ao encontro ocorrido na última terça-feira [6/5] no Rio de Janeiro entre um grupo de cineastas e atores com o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o Secretário da Comunicação da Presidência da República (Secom), Luiz Gushiken.
O que pautou esse polêmico encontro foi detonado no sábado passado [26/4/2003] por Cacá Diegues. Numa entrevista ao jornal O Globo, o diretor de Deus É Brasileiro acusou a nova política de concessão de patrocínios pelas estatais de “dirigista” e “destrutiva da retomada do cinema”. A sua indignação nasceu quando tomou conhecimento das novas diretrizes dispostas no site da Eletrobrás (que, junto a Petrobrás e a BR, formam o grupo mais forte em investimento para cultura no Brasil). A estatal dizia que os novos projetos, para receberem apoio, precisavam prever contrapartida social, conteúdo de inclusão social e vinculação ao Fome Zero.
Depois de muita discussão, Gushiken, na terça-feira, disse a Gil e aos artistas que a política cultural do novo governo é de responsabilidade do MinC e não da Eletrobrás. Acrescentou que a empresa reformularia suas diretrizes. Na quarta-feira, Luiz Carlos Barreto e alguns atores ouviram do próprio presidente da Eletrobrás, Luiz Pinguelli Rosa, um pedido de desculpas pelo ruído nas regras disseminado pela página da empresa.
Já na quinta-feira, o foco da discussão saiu do Rio e veio ao Ceará, quando o manifesto lido por Oliveira, antes da sessão do longa Cama de Gato, de Alexandre Stockler, falava da não concordância de Jorge Furtado, Cláudio Assis, Eduardo Coutinho, Walter Lima Jr, Beto Brant e mais 45 nomes nobres do cinema nacional com o que foi dito, em nome de toda classe cinematográfica, ao MinC nos dias anteriores.
O documento aponta três questões: a) sobre a contrapartida social: “Somos a favor de que a distribuição de incentivos fiscais para a cultura esteja afinada com uma distribuição mais justa de bens culturais em nosso país; b) sobre a concessão de recursos públicos que vem sendo praticada nos últimos anos: “Solicitamos um acesso mais democrático, descentralizado e totalmente transparente… …acabando com o privilégio de pequenos grupos que têm recebido de forma concentrada os recursos concedidos…”; e c) sobre representatividade e diálogo: “Solicitamos que o diálogo entre o MinC, a Secom, as estatais e os cineastas aconteça através das entidades e associações de classe de todo Brasil e não de forma personalista”.
O assunto esquentou ainda mais, ontem a tarde no 13º Cine Ceará, no painel O Cinema no Novo Governo com a presença do presidente da Sub-comissão de Cinema no Senado, Saturnino Braga; do Diretor da Ancine em Brasília, João Eustáquio; e do Secretário de Cultura do Estado do Ceará, Cláudio Leitão. Hoje, às 16h, a discussão continua. Agora com o Diretor da Ancine no Rio de Janeiro, Augusto Sevá; com o Diretor da TVC, Glauber Filho; e o Presidente da ACCV, Tibico Brasil.
Leia, ao final dessa matéria a declaração pública na íntegra.
STOCKLER E SEU T.R.A.U.M.A. – Sauna a vapor no andar de baixo, e sauna a seco no balcão superior. É assim que estão se referindo ao clima dentro do Cine São Luiz de Fortaleza durante as sessões do 13º Cine Ceará. Sessões, inclusive, abarrotadas de pessoas que não precisam pagar ingresso para ter acesso à sala. Na quarta-feira [7/5/2003], noite de abertura, o frisson ficou por conta menos pelo filme O Homem do ano, de José Henrique Fonseca, e mais pela presença de seu protagonista, o galã Murilo Benício. Mas a polêmica começou mesmo na quinta-feira [8/5], com a exibição competitiva de Cama de gato, do paulista Alexandre Stockler, e Caio Blat no elenco.
O filme, que já havia levado prêmio do público na 26ª Mostra BR, é o primeiro longa do “Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Audacioso” (TRAUMA), movimento criado em dezembro de 1999 pelo grupo A Exceção e a Regra, que produziu Cama de gato. A idéia do TRAUMA, segundo Stockler, é “uma resposta” latino-americana ao dinamarquês Dogma95, e se sustenta numa santíssima trindade para compor o enredo de suas produções. O “Pai” seria um elemento de tirania, sempre presente na vida dos brasileiros. O “Filho” diz respeito à condição mínima de recurso para realizar um de seus produtos; e o “Espírito Santo” diz que pelo menos um personagem de um filme, que segue os preceitos Traumáticos, esteja no próximo filme do movimento.
Ontem [9/5/2003], na mostra competitiva de vídeo, foi exibido o outro produto pernambucano no Cine Ceará, além do Amarelo manga, do Cláudio Assis. O documentário Azulão, de Eliane Macedo e Henrique Paiva, agradou o público no resgate que faz da trajetória e da atual situação triste do cantor caruaruense, Francisco de Lima, o Azulão. Hoje os cearenses guardam grande expectativa para assistir Narradores de Javé, de Eliane Caffé, o grande vencedor do Cine-PE.
Declaração Pública
“Nós, produtores e realizadores de cinema abaixo assinados, esclarecemos à opinião pública, aos órgãos do governo e à imprensa que o grupo de cineastas que se reuniu no Rio de Janeiro no dia 06 de maio com os Ministros Gilberto Gil e Luiz Gushiken não fala em nome da totalidade dos cineastas brasileiros, ao contrário do que se veiculou na mídia.
Aproveitamos para ressaltar alguns pontos fundamentais:
a) sobre a contrapartida social:
Somos a favor de que a distribuição de incentivos fiscais para a cultura esteja afinada com uma distribuição mais justa de bens culturais em nosso país. Acreditamos que a construção dessa política possa ser traçada rapidamente, entre os produtores e os órgãos de governo, em regime de colaboração e não de forma unilateral.
b) sobre a concessão de recursos públicos que vem sendo praticada nos últimos anos:
Solicitamos um acesso mais democrático, descentralizado e totalmente transparente aos patrocínios culturais das empresas estatais, acabando com o privilégio de pequenos grupos que têm recebido de forma concentrada os recursos concedidos nos últimos anos.
c) representatividade e diálogo:
Solicitamos que o diálogo entre o Ministério da Cultura, a SECOM, as empresas estatais e os cineastas aconteça através das entidades e associações de classe de todo Brasil e não de forma personalista.
08 de Maio de 2003.
Ana Azevedo (RS)
André Klotzel (SP)
André Luís Oliveira (DF)
Beto Brant (SP)
Betse de Paula (DF)
Carlos Gerbase (RS)
Cláudio Assis (PE)
Eduardo Coutinho (RJ)
Eduardo Escorel (RJ)
Esdras Rubim (RS)
Euclides Moreira (MA)
Fernando Meirelles (SP)
Frances Vale (CE)
Geraldo Moraes (DF)
Giba Assis Brasil (RS)
Helvécio Ratton (MG)
Joel Zito Araújo (BA)
Jorge Furtado (RS)
Laís Bodanzky (SP)
Lili Caffé (SP)
Lírio Ferreira (PE)
Lucas Amberg (PR)
Lucélia Santos (RJ)
Luiz Bolognesi (SP)
Luis Fernando Carvalho (RJ)
Mallu Moraes (DF)
Manfredo Caldas (DF)
Marcelo Mazagão (SP)
Marcos Moura (CE)
Marcelo Laffitte (RJ)
Márcio Curi (DF)
Margarita Hernandez (CE)
Nando Olival (SP)
Nelson Pereira dos Santos (RJ)
Patrick Leblanc (SP)
Paulo Betti (RJ)
Paulo Boccato (ABD-SP)
Paulo Caldas (PE)
Paulo Halm (RJ)
Paulo Morelli (SP)
Paulo Sacramento (SP)
Renato Barbieri (DF)
Ronaldo Duque (DF)
Rosemberg Cariri (CE)
Sara Silveira (SP)
Tibico Brasil (CE)
Vladimir Carvalho (DF)
Wolney de Oliveira (CE)
Zita Carvalhosa (SP)
Leon Cakoff (SP)
Renata de Almeida (SP)
Lina Chamie (SP)
Walter Lima Jr.(RJ)”
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