– texto originalmente publicado no caderno Programa do jornal Folha de Pernambuco, em 28 de fevereiro de 2005. Na foto, Sidney Lumet recebe o Oscar Honorário.

A 77a. edição do Oscar será lembrada com carinho por cinéfilos e críticos de cinema como o evento que contemplou o talento e a maturidade de Clint Eastwood. Seu Menina de ouro levou quatro dos sete prêmios que concorria, entre eles o de melhor filme, direção (Eastwood), atriz (Hilary Swank) e ator coadjuvante (Morgan Freeman). O Aviador, no páreo por 11 estatuetas, arrebatou cinco delas: atriz coadjuvante (Cate Blanchett) fotografia, montagem, figurino e direção de arte. A festa será lembrada também por um dedo brasileiro, mesmo que por tabela, no evento. A canção El Otro Lado del Rio, do cantor e compositor uruguaiu Jorge Drexler, representava Diários de motocicleta, de Walter Salles Jr., e foi a vencedora de sua categoria.

Drexler, que havia sido impedido pela organização do evento de interpretar sua música na festa, foi obrigado a escutar Antônio Banderas gemendo a melodia enquanto dava tapinhas na perna enquanto acompanhava Carlos Santana na guitarra. A resposta de Drexler pela grosseria da Acadêmia foi refinada. Com o prêmio na mão, não fez nenhum agradecimento, apenas entoou o refrão da canção com sua bela e afinada voz.

Outro momento emocionante da noite foi provido por Jamie Foxx quando dedicou o prêmio de melhor ator, por Ray, a sua falecida avó, primeiro pessoa que lhe deu noções de interpretação. Outro forte concorrente nessa categoria era Leonardo DiCaprio, que estava na Kodak Theatre com a namorada Gisele Bundchen. A atriz Hilary Swank também chamou atenção com seu discurso. Ela subiu ao palco para receber seu segundo Oscar (depois de Meninos não choram, em 2000). Agora com duas estatuetas sobre a lareira, ela entra no mesmo time de estrelas como Elizabeth Taylor, Jane Fonda, Vivien Leigh e Bette Davis, entre outras.

Antes de anunciar o prêmio de Hilary Swank, Sean Penn deu um puxão de orelha em Chris Rock, que atuou pela primeira vez como mestre de cerimônias no evento. Sobre uma piada infame feita por Rock envolvendo o ator Jude Law, Penn exigiu respeito pelo profissional, dizendo que para cada cinco atores de sua geração, quatro são medíocres, sendo Law um dos talentosos.

Muito bem disputada, a categoria de roteiro original ficou com Charlie Kaufman, Michel Gondry, Pierre Bismuth por Brilho eterno de uma mente sem lembrança. O prêmio coroa Kaufman como um dos mais inusitados criadores de Hollywood depois de ter concorrido antes por Quero ser John Malkovich e Adaptação. Já Sideways, que concorria a cinco prêmios, levou apenas (e com justiça) o de roteiro adaptado.

A estatueta destinada ao estrangeiro, foi para a Espanha, por Mar adentro. O diretor Alejandro Amenábar, antes respeitado pelo talento, agora vai usufruir também de prestígio no show-business norte-americano. Os Incríveis ficou com os prêmios de melhor longa-metragem de animação e edição de som, enquanto Ray levou o de melhor som. Homem-Aranha 2 ganhou o título de melhor filme com efeitos especiais. Entre os documentários, o vencedor foi Nascido nos bordéis, de Ross Kauffman e Zana Briski, sobre a zona de prostituição de Calcutá.

Sidney Lumet foi o homenageado da noite, recebendo das mãos de Al Pacino (seu ator em Um dia de cão e Serpico) o Oscar honorário desta edição. Depois de agradecer a todos com quem trabalhou, lembrou daqueles com quem não trabalhou: “Como posso agradecer a Spielberg, Scorsese, Coppola, Kurosawa e Buster keaton?, sem falar naqueles dos quais roubei idéias”, brincou.

Apesar das inovações de entregar alguns prêmios técnicos no palco ou no meio da platéia, a cerimônia mostrou-se ainda longa, mas arejada. Fica como lembrança negativa da festa os vários comentários inadequados de Chris Rock (“qualquer dia vão entregar o Oscar no estacionamento”) e a interpretação brega-pop de Beyoncé para três canções concorrentes