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Críticas

Coronel Delmiro Gouveia

Belo traquejo entre o documentário e a ficção para narrar história daquele brasileiro que poucos conhecem

Por Luiz Joaquim | 13.05.2020 (quarta-feira)

texto originalmente escrito em 2009 para o projeto Cine-Educação, produzido pela Fundação Joaquim Nabuco, que consistiu em criar 26 apostilas para 26 programas com filmes brasileiros contendo material crítico e didático. Material distribuído em escolas públicas, incluindo DVDs com os filmes em questão. Na foto acima, Geraldo Sarno (d) dirige Rubens de Falco e Sura Berdichevski em Coronel Delmiro Golveia.

Um dos aspectos destacados e expressivos de Coronel Delmiro Gouveia (Bra., 1978) é a facilidade com que o diretor Geraldo Sarno manipulou o documentário e a ficção para narrar parte da história daquele brasileiro que poucos conhecem e que o cinema se encarrega de resgatá-lo ao seu público.

Num filme simples e direto, armado segundo modelo que Sarno já utilizava há anos na qualidade de habilidoso documentarista, o filme tem a virtude da simplicidade e da despretensão. Na verdade, Sarno poderia ter criado ao redor da figura extremamente polêmica e controvertida de Delmiro Gouveia uma grande epopeia. Mas preferiu o tom de cinema-verdade, ou seja, a ilustração de certas passagens através de uma narrativa linear, sincera e objetiva, o que nos dá a impressão de que, muito mais do que a ficção, é realmente o documento que conta.

Documento porque o filme é repleto de informações de como Delmiro Gouveia, conscientemente, faz o papel de ser, talvez, o primeiro nacionalista brasileiro e um dos primeiros homens a tentar o processo de industrialização do Nordeste, de transformação dos sertões, de aproveitamento do seu potencial de mão-de-obra e, consequentemente, de melhorias das condições sociais da região.

O filme começa com o depoimento de um velho sertanejo que nos conta o que representou, para o homem da caatinga, a chegada de Delmiro, enérgico, de personalidade forte; disciplinador. Entra então a ficção e temos contato com o primeiro golpe político aplicado pelos donos do poder contra o coronel. O golpe acontece no primeiro dia deste século por um incêndio do Mercado do Derby, no bairro homônimo do Recife,  que Delmiro mandara construir para que, ali, os alimentos pudessem ser vendidos a preços menores, sem a natural exploração de intermediários.

A partir daí, e da fuga dele para o Sertão, Geraldo Sarno divide seu virtuoso documentário em etapas, isto é, desenvolve as passagens em torno das derrotas e vitórias do personagem, segundo depoimentos de um sócio, Llonello Iona (Nildo Parente), de sua companheira Eulina (Sura Berdichevski) – enteado do governador e um dos motivos de sua perseguição -, e do coronel Ulisses Lima (Jofre Soares), que o protege quando caçado, e que o liberta da prisão quando preso sobre a acusação de falência fraudulenta, rapto e sedução.

São estes personagens que contam toda a trajetória do herói trágico dentro de uma obra que se detém mais particularmente no exame, ainda que rápido, da ação empreendida por Delmiro, na Vila da Pedra, onde se estabelece, ali, absorvendo a mão-de-obra local, transformando peões ignorantes em operários especializados, dando ao  homem condições de habitação,  higiene, alimentação e lazer. Delmiro ergue a indústria de linha de costura que se oporá aos interesse multinacionais.

É o início de sua tragédia. Sua obsessão em competir no mercado com os ingleses da Machine Cottons, donos do negócio até então. Termina com o seu assassinato e, mais tarde, com a destruição de toda a fábrica e seu maquinário, atirados nas águas das cachoeiras de Paulo Afonso, que o próprio Delmiro, como pioneiro, dono de uma larga visão empresarial, havia despertado para a construção da primeira hidroelétrica para aproveitamento de sua energia.

Embora rico em detalhes e observações, o que o filme de Geraldo Sarno vende ao seu público sobre a figura de Delmiro Gouveia ainda é pouco. Há muito mais. No entanto, soa suficiente. Sarno preferiu construir com seu colaborador Orlando Senna um filme que não caísse em longos comentários , nem em abordagens desnecessárias ou em discursos panfletários. Na tradição de seu cinema, que tem obras documentais de peso, ele optou aqui pelo estilo mais realista possível e, exceção ao que existe de ficcional na produção, conseguiu construir uma obra modesta mas rigorosa.

Apoiado numa excelente fotografia de Lauro Escorel Filho, numa trilha sonora que fixa boa parte do folclore nordestino em pontuações expressivas, e em boas interpretações, Sarno pôde concretizar, com tranquilidade, sem a grandiloquência dos Guararapes  e sem a pieguice dos Anchietas, a sua homenagem a um brasileiro que não tem estátua.

Assista ao filme completo aqui

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