Cinema de bairro resiste no Cordeiro: Cine Roma
Conheça o Cine Roma e a história de Carlos Oliveira, em reportagem de 1998
Por Luiz Joaquim | 02.06.2020 (terça-feira)
– reportagem apurada e escrita em 1998, como exercício jornalístico. Nas fotos de Filipe Falcão, de 2004, o idealizador e proprietário do Cine Roma, Carlos Oliveira.
Em tempos de multiplex, salas de cinemas interligadas com o que há de mais moderno e confortável para cinéfilo nenhum botar defeito, o Recife ainda guarda um cineminha funcionando em um fundo de quintal. É o Cine Roma, no bairro do Cordeiro, que vai exibindo seus filmes enquanto as super-salas vão correndo pela raia principal, mostrando aquelas coisas manjadas de Hollywood.
O cinema funciona há dez anos no número 326 da rua Ribeiro Roma, daí a origem do nome Cine Roma. A sala de exibição (com 15 metros quadrados), e a cabine de projeção (cinco metros quadrados) foram projetadas e construídas por Carlos Oliveira, 38 anos, um apaixonado pela sétima arte que também trabalha na reprografia da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU).
O nascimento do Cine Roma se deu em apenas dois meses. Era 1988 quando Carlos havia comprado dois projetores de 16mm, marca IEC, e alugava alguns filmes à Companhia Cinematográfica Aquarius (distribuidora de filmes da Columbia Pictures, por exemplo, aqui na cidade) e à Pajeú Filmes.
Embora sonhasse exibir os mesmos filmes do circuito comercial, não conseguia encontrar cópias na bitola do seu projetor. O jeito era comprar ou alugar fitas de filmes eróticos e artes marciais. Por vezes, conseguia um filme nacional. “Cheguei a exibir um filme de Glauber Rocha, que agora não recordo o nome, mas ninguém gostou”. Depois que a distribuidora que lhe fornecia os filmes (a Pajeú) fechou, o jeito foi utilizar seu acervo e, como não é tão grande (dez rolos de 8mm e vinte de 16mm) era obrigado a repetir a mesma fita a cada dois meses.
Eram tempos difíceis, mas Carlos persistiu até que, já nos anos 1990, conseguiu comprar um videocassete. Interligou à uma televisão, acoplada com um tubo que ampliava sua imagem na tela e, pronto: já tinha uma nova opção de projeção com mais alternativas de filmes. “Não tem o mesmo charme que a projeção de uma fita, mas foi a saída que encontrei para não fechar o Roma”.
Foi quando, em parceria com a Associação dos Moradores do Cordeiro, Carlos criou o Festival Mazzaropi. Por um mês, ele exibia todas as sextas-feiras, com entrada franca, filmes como Candinho, mostrando Mazzaropi na pele de Jeca Tatu, o matuto mais festejado do cinema brasileiro.
A partir daí, tentou colocar na programação alguns filmes de nível mais elevado, mas o gosto pelo erótico já havia caído nas graças do seu público. “Certa vez passei O quatrilho, numa sexta-feira, também com entrada franca. Parecia que ia ser um sucesso. A exibição começou com 30 pessoas na sala, mas só quatro permaneceram até o fim”.
O Cine Roma não é clandestino, foi até registrado no Conselho Nacional de Cinema (Concine). No início, os assentos da salinha de exibição eram bancos de madeira, até que Carlos soube de um marceneiro que tinha ficado com as cadeiras do Cine Cordeiro e do Cinema Glória. Foi lá, comprou e restaurou alguns assentos. Hoje ele passa, semanalmente, óleo de peroba, apimentado com amor, nas cadeiras para mantê-las conservadas. Ao todo, são 30 lugares disponíveis para o público do Roma.
A cada dez palavras que o dono do estabelecimento fala, uma é sobre filmes. Carlos representa o típico apaixonado que não para de repetir “adoro cinema e é numa cabine de projeção que me realizo”. Durante a reportagem, fez questão de mostrar orgulhoso seu projetor funcionando e exibiu um dos filmes de seu acervo de 16 mm. Um documentário americano no qual aparecia o astronauta Neil Armstrong descrevendo como era a terra vista do espaço.
As sessões do Cine Roma acontecem sempre às 20 horas, de quarta-feira a domingo, graças a perseverança de Carlos Oliveira. Ao contrário dos cinemas tradicionais, no Roma, todos os dias tem um filme diferente em cartaz. Hoje é cobrado R$ 1 como ingresso. O dinheiro é usado para a locação das fitas e manutenção do cinema. “O dinheiro é muito pouco. Mas não me queixo. Vale a pena. Mantenho isso aqui por amor”.
Vida de cinéfilo se confunde com o filme Cinema Paradiso – Quando tinha oito anos de idade, Carlos Oliveira ia ao Cine Cordeiro e ficava procurando, na lata de lixo, pedaços cortados de filme que não serviam ao operador do cinema. Voltava para casa e, com o auxílio de uma lanterna e uma lâmpada quebrada, cheia de água no seu interior, refletia a imagem da película na parede. Sonhava, dessa forma, com a magia do cinema.
Foi quando, dois anos depois, conheceu um amigo que tinha uma cruz de malta. “Essa peça é que faz o filme se movimentar. É o coração do projetor”. Com muita engenhosidade, Carlos passou uma noite inteira criando uma engrenagem e, com uma caixa de papelão e uma roda de bicicleta, entre outras coisas, fez seu projetor.
“Ainda lembro como se fosse hoje. Colei os pedaços de filmes que tinha com fita durex. Coloquei meu projetor na rua e exibi, durante a noite, minha fita para as pessoas do bairro. Ninguém acreditava que fosse funcionar e todos ficaram espantados”.
Depois, Carlos construiu um barraquinho de madeira com área de quatro metros quadrados, para exibir seus filmes aos amigos. Esse foi o embrião do Cine Roma. Foi nesse barraquinho que Carlos conheceu Ana Pereira. Hoje sua esposa.
Na adolescência, viajava para os municípios do interior para conhecer os cinemas da região. Aspirava entrar em uma cabine de projeção e manusear um projetor de 35 mm. Para sua tristeza, ninguém permitia.
Houve uma época em que freqüentava muito o Cine São José. Quando a sessão acabava, ficava esperando o operador sair da cabine para fazer amizade. Mas quem liberava, ou não, o acesso ao local era o seu José, proprietário do Cinema. Este era muito severo e não permitia que ninguém entrasse ali a não ser “Catôta”, seu operador.
Certa vez Carlos aproveitou a ausência de seu José e, burlando a segurança, entrou na sala proibida e conheceu os projetores do Cine São José. “Catôta” o ensinou como trabalhar com eles e, depois, intermediou a amizade entre Carlos e Seu José. Por pouco Carlos não se tornou um operador igual ao amigo.
Começou a desejar ter também projetores de 35mm, mas até hoje ainda não conseguiu adquiri-los. Algum tempo depois, pôde comprar dois projetores de 16mm da marca IEC e um outro projetor de filmes para bitola de 8mm. Foi então que, com a ajuda de quatro amigos, levantou o Cine Roma, o qual mantém funcionando até hoje.
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