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Festivais

48º Gramado (2020) El Gran Viaje al País Pequeño

Documentário observacional prioriza exercício da empatia acima de constatações políticas

Por Felipe Berardo | 22.09.2020 (terça-feira)

As mostras competitivas do 48º Festival de Cinema de Gramado chegaram ontem ao início de sua segunda metade com uma noite dedicada a documentários, incluindo o longa-metragem estrangeiro, que concluiu o programa; no caso, com El gran viaje al país pequeño (Uruguai/Líbano, 2020). O filme é um longo projeto de aproximadamente quatro anos de gravações que registraram a história de uma família síria que, junto a outras famílias em condições similares, é convidada pelo então presidente uruguaio, José Mujica, a serem acolhidos pelo país latino-americano na condição de refugiados políticos dos conflitos e guerra que acontecem no Oriente Médio.

Esse grande período de produção, que se passa pelos 105 minutos do filme através de diversas elipses temporais, é a característica mais essencial para a obra que busca funcionar numa lógica intimista e muito individual àquelas pessoas que são propostas aqui como personagens. O método da diretora Mariana Viñoles, dirigindo aqui seu terceiro longa documentário, parece funcionar mais por uma lógica indutiva, partindo das vidas particulares das pessoas, que a diretora acompanha e registra, para chegar a possíveis verdades. No filme, evita-se começar por valores políticos previamente determinados e projetados como mensagens.

Por um lado, isso contribui para que o filme não se utilize dos indivíduos que acompanha de forma exploratória ou transformando-os apenas em exemplos para as pretensões maiores que poderia possuir, mas também é verdade que a obra não parece chegar em tantas reflexões mais aprofundadas, sejam essas conclusivas ou não, sobre a questão maior tratada aqui sobre refugiados políticos. Não há informação mais minuciosa numa lógica mais social e macro das dificuldades vivenciadas por refugiados no Uruguai, por exemplo, mas ao menos nesse sentido a decisão da cineasta pela não priorização de dados e fatos para construir suas verdades e argumentações é bastante acertada, permitindo que a jornada dramática e de humanização dos personagens seja o elemento mais importante.

Há algo poderoso na constante melancolia presente naquelas pessoas que perderam uma vida inteira pro passado, sem mais previsões de voltar de outra forma que não por lembranças, do que em tentar mensurar tragédias através de números. Bastante interessante, inclusive, que essa melancolia e separação da vida passada são materializadas no filme através de elementos tecnológicos com mensagens, áudios e vídeo-chamadas correspondidas com família e amigos ainda vivendo na terra natal. No entanto, essa ideia de um espaço virtual ocupado pelos personagens, pelo qual são trocados lamentos e bons desejos, não é tão desenvolvida, mas é um elemento que carrega por si só um peso próprio bastante interessante. 

Soa contraditório, mas as maiores forças e fraquezas do longa surgem da maneira majoritariamente observacional com que lida com as realidades e situações vividas por essas pessoas, sem muito interesse em sugerir ideias sobre as vidas que representa, além do interesse em sua própria representação. Um exemplo claro dessa atitude pode ser vista ao final do filme quando a família já está mais adaptada à vida no Uruguai, adotando e misturando valores culturais locais aos seus próprios valores. 

Cena de “El gran viaje al país pequeño”

Esses valores unem-se para um novo estilo de vida que resulta tanto em mulheres mais jovens decidindo por um caminho de estudos e tornando-se confortáveis com a ideia de andar sem a companhia de homens na rua, quanto também no pintar de cabelos para o loiro “como ouro” e num menor esforço feito para escondê-los pela burca.

Pode funcionar por dois caminhos, essa assimilação da cultura local pelos refugiados. Num, como algo valioso para dar início a uma nova vida. Noutro, como possíveis armadilhas de apagamentos dos valores nativos. Tais questões não são discutidas pelo filme, da mesma forma que é curiosa a interjeição de aparente surpresa da diretora quando uma das personagens diz que se sente mais livre no Uruguai e que a liberdade de mulheres na Síria existe, mas numa forma diferente.

Ao final, a obra conclui com uma cartela informativa não sobre a situação de refugiados ou dos conflitos na Síria, mas com uma informação pessoal e importante para a família, acompanhada de uma dedicatória. Mais uma vez a realidade vivida por muitos é representada pelos rostos conhecidos a nós, e o filme mantém-se consistente em priorizar o envolvimento emocional como exercício de empatia acima de constatação política até o final.

Leia também sobre o longa O samba é primo do jazz  e curtas Wander Vi Extratos. Clique aqui.

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