48º Gramado (2020) – Los Fuertes
Percurso de autoconhecimento atravessado pela paixão
Por Felipe Berardo | 27.09.2020 (domingo)
A mostra competitiva internacional do 48º Festival de Cinema de Gramado encerrou-se com possivelmente o longa mais interessante dos estrangeiros selecionados, Los fuertes (Chile, 2019), é o primeiro longa-metragem dirigido por Omar Zúñiga, adaptado de um de seus curtas San Cristóbal (2015) que já traz uma equipe muito semelhante com o diretor de fotografia, Nicolás Ibieta, e os dois atores principais. O filme conta a história de Lucas (Samuel Gonzalez) que vai visitar sua irmã na pequena cidade marítima em que ela mora, antes de viajar ao Canadá para estudar numa pós-graduação de arquitetura, no entanto começa um relacionamento amoroso com Antonio (Antonio Altamirano).
A posição como filme LGBTQI+ e a estrutura de um romance rápido e intenso pode trazer comparações ao recente Me chame pelo seu nome, no entanto aqui os personagens são mais adultos e o que vemos não é uma lógica de primeiro amor e sim uma jornada mútua de entendimento próprio e busca pela independência que passam pelo amor como catalisador. Há sim, porém, uma comparação interessante a ser feita entre os dois filmes na representação bastante livre do tesão e da sensualidade como força principal no início da relação, não exatamente na mesma intensidade do filme ítalo-americano que trata das descobertas sexuais adolescentes, mas ainda com um foco suficiente para separá-lo de uma história romântica com menos a oferecer.
Mais do que qualquer outro filme na mostra do festival Los fuertes parece entender o poder de sugestão dos gestos de seus atores que trabalham muito bem dentro do tempo e espontaneidade permitidos a eles pela decupagem. Há diversos momentos definidores de personagens como nos planos longos da primeira interação entre os dois ao descarregar lenha de um carro, com Antonio movendo-se de forma rápida e intensa e Lucas tomando seu tempo numa comparativa vagarosidade, e também momentos de beleza dramática como na cena de carinho entre os personagens nus em que a câmera foca na mão acariciando a cicatriz de apendicite do outro personagem enquanto conversam sobre o passado.
Esse último ponto, inclusive, da cicatriz vista no corpo enquanto se escuta aos traumas daquele personagem numa anedota pessoal sobre a homofobia de seu pai é um exemplo da boa utilização de simbolismos do filme também. Não por ser uma ideia particularmente forte e nova, mas pelas metáforas aqui surgirem de elementos literais e enraizados na realidade dramática do filme, mais como ideia complementar que como principal significado óbvio a ser compreendido. Ainda assim, há exemplos melhores e mais fortes por si só como o de Antonio participando de encenações da batalha histórica pela independência do Chile embora não esteja lutando por sua própria independência.
Essa jornada por independência e autonomia identitária, tanto por Antonio quanto por Lucas, forma o principal arco dramático do filme até seu fim de forma muito matura, com resoluções aparentemente pequenas que justificam-se como clímax mais pelos ajustes mentais e emocionais dos personagens. Lucas mantém seus planos de ir pro Canadá buscar a pós-graduação, mas não como forma de fuga da não aceitação dos pais de sua identidade e sim por ter conseguido essa oportunidade para si. Já Antonio, que trabalha num navio pesqueiro com um amigo de seu falecido pai e visando a promessa de juntar dinheiro suficiente para comprar seu próprio barco, é demitido por sua sexualidade e ainda assim mantém-se atento ao que lhe importa – sua avó, seus amigos, a ilha em que nasceu e seu pai morreu – e não cai na armadilha de reconstruir sua identidade e seus desejos baseado em seu amor por Lucas.
Num comentário rápido sobre a homofobia representada no filme, é muito acertada a decisão de focar no amor entre os dois homens e não no preconceito que os cercam. Entende-se como esse constrói muitas das situações e circunstâncias presentes no filme e como infligiu traumas neles, especialmente em Lucas, mas serve mais como uma força formadora que um agente antagonista constante, mesmo nos momentos mais explícitos como a demissão de Antonio e as conversas sobre os pais de Lucas.
Ao final da jornada de crescimento de ambos, no entanto, a raiva e tristeza por injustiças tornam-se em ações transformadoras de suas próprias vidas. É muito satisfatório vê-los tornando-se pessoas fortes que entendem a si mesmos, buscando desejos próprios para suas existências e caminhos para realizá-los, ainda que seja triste perceber que esses seus desejos e caminhos não podem coexistir atualmente com o amor que os ajudou a chegar lá. É um fim tanto quanto um início para os dois e a mudança é agridoce tanto quanto bela.
0 Comentários