48º Gramado (2020) – Matar a Un Muerto
Suspense sobre ditadura no Paraguai se perde em meio a metáforas na busca por maiores significados
Por Felipe Berardo | 24.09.2020 (quinta-feira)
Foi exibido antes de anteontem (22) pelo Canal Brasil Matar a un muerto (2019, Paraguai), penúltimo dos longas estrangeiros selecionados para a mostra competitiva do 48º Festival de Gramado, dirigido e roteirizado por Hugo Giménez. O filme, que se passa em 1978 durante o período de ditadura paraguaio, acompanha dois homens vivendo isolados numa ilha florestada como últimas engrenagens de um sistema cruel e desumano que tem a morte e violência como elemento identitário essencial.
O velho e calejado, Pastor (Ever Enciso), junto ao jovem e ingênuo, Dionisio (Aníbal Ortiz), são responsáveis por enterrar os corpos desconhecidos que chegam à ilha enviados pelo governo ditador sem explicações ou motivações, apenas cumprem ordens. Há algo interessante nessa normalização de um cotidiano mórbido e imoral através da burocracia, suas funções num sistema ganhando importância acima de seus valores como humanos, mas é uma ideia não muito desenvolvida além da premissa para essas pessoas. Essa normalidade, inclusive, é logo quebrada quando surge o conflito principal da trama: um dos corpos que aparece na ilha para ser enterrado ainda está vivo.
A trama do filme soa simples o bastante quando escrita, mas o longa está mais interessado em tentar alcançar uma atmosfera opressora através de uma lógica quase estritamente simbólica, similar ao filme de Robert Eggers, O farol, mas sem a aceitação de qualquer humor ou a inventividade visual e sonora. O filme paraguaio é afetado demais por um desejo constante de auto importância, negando quase toda literalidade para transformar a ilha e seus personagens em conceitos metafísicos representativos do Paraguai e de sua população.
Alguns pontos narrativos tornam-se desinteressantes justamente pelo seu desejo único em funcionar como metáforas, por exemplo, o cachorro com gosto por sangue humano que supostamente viola os túmulos das vítimas daquele governo, apresentado como uma figura sempre presente, ainda que nunca visto, ou a tempestade de inverno que é mencionada durante o longa e serve como conclusão para a obra. Há alguns pontos menores que funcionam nessa lógica, mas que acabam sendo inconsequentes demais para levantar o filme, como a utilização da Copa do Mundo de futebol de 1978 como plano de fundo para o enredo ou a sugestão ao final de que o velho coveiro da ditadura já foi um alegre artista, agora posto em exílio e conformado à violência militar.
O principal problema do filme, no entanto, não está exatamente em seu roteiro e ideias metafóricas, mas nas decisões audiovisuais para alcançá-las. O diretor adota uma lógica de tempo dilatado, através da fotografia e montagem com longos planos abertos, mas sem o interesse necessário em capturar os movimentos e gestos dos personagens ou relacioná-los de formas novas com a câmera. Parece uma decisão estética adotada sem considerar os elementos em tela, partindo de um interesse prévio em já funcionar nesse modo considerado como elegante e de “bom gosto” que acaba por entediar ao invés de convidar os olhos a ver o que está enquadrado.
A câmera aqui permanece por longos tempos direcionada sobre imagens, tentando transformá-las também em algo metafísico como o roteiro pede, transformá-las em símbolos e tirar desses grandes significados, mas é uma transformação que nunca realmente vem a acontecer, infelizmente. Curiosamente, as decisões mais interessantes vão de encontro a essa filosofia, utilizando-se de elementos locais e específicos como as superstições do velho e principalmente o uso do guarani como língua principal nos diálogos.
Infelizmente, pelo clima e atmosfera pretendidos aqui não há tantos diálogos em meio aos tempos vazios, mas há algo valioso na utilização de um idioma não colonizador, original da América como forma de comunicação numa obra sobre as ditaduras latino-americanas. Fica na mente o desejo de uma forma de confronto de valor histórico em contar essas histórias por um ponto de vista e linguagem próprios, mas acaba, aqui, como um desejo frustrado.
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