Aos Olhos de Ernesto
Sopro de vida pago com sopro de confiança
Por Luiz Joaquim | 17.09.2020 (quinta-feira)
– acima, Gabriela Poester como Bia e Jorge Bolani como Ernesto em cena de Aos olhos de Ernesto.
Funciona quase como um selo de qualidade vermos estampando numa produção os nomes de Ana Luiza Azevedo, Jorge Furtado e Giba Assis Brasil. Ainda mais quando eles vêm todos juntos num mesmo projeto. Em Aos olhos de Ernesto (Bra., 2019) os três estão lá, com a primeira dirigindo e coassinando o roteiro ao lado do segundo e ficando a montagem nas mãos do terceiro. Agregue-se aí um outro talento, que também faz encher os olhos aqui, com a sua especialidade: Glauco Firpo, pela fotografia.
Disponível a partir de hoje (17) em plataformas virtuais – Net Now, Vivo Play, Oi Play, e pelo Canal Brasil, além de drive-ins –, Aos olhos de Ernesto nasceu inspirado na vida do fotógrafo italiano Luigi Del Re, cujas fotografias, inclusive, foram utilizadas no filme para ilustrar o trabalho do protagonista Ernesto, vivido por Jorge Bolani (do maravilhoso Whisky), ator uruguaio – a mesma origem de seu personagem.
E, tal qual o real Luigi, o fictício Ernesto é um senhor aposentado, aos 78 anos, que, numa cegueira crescente, mal consegue enxergar detalhes de sua própria mão diante de si. Preocupado, o filho único Ramiro (Júlio Andrade) tenta convencê-lo a mudar de casa, indo morar com ele em São Paulo. Mas Ernesto é taxativo na negativa.
Viúvo e decidido a tocar seus últimos dias com as limitações da idade e da solidão, que é eventualmente cortada pela visita do vizinho, o argentino Javier (o ótimo Jorge D’Elia), Ernesto experimenta dois eventos que chacoalham seu cotidiano. Um é a chegada de uma carta de Lucía (Glória Demassi), um antigo amor da adolescência no Uruguai, informando sua viuvez recente; o outro, o surgimento de Bia (Gabriela Poester) que, com seus 23 anos de idade, enxerta provocações, vivacidade e desafios ao desencantado fotógrafo.
Bia é o sopro de vida que traz cor ao escuro apartamento de Ernesto. Um espaço fotografado por Firpo com tocante deslumbre em sua melancolia inicial. Já Ernesto é o porto seguro de carinho e confiança que a moça, também sem família, nunca teve. Mas o interessante aqui é a forma como Aos olhos de Ernesto constrói a amizade dos dois. E como Poester se adapta bem na transição de importância da sua personagem ao enredo.
Se no começo a antipatia pela ‘entrôna’ e desonesta Bia fica estabelecida no espectador, tal qual fica estabelecida pela diarista de Ernesto (Janaína Kremer), logo em seguida é a fé de Ernesto na menina que irá revelar ao espectador uma possibilidade também de fé nessa personagem interessante. E Poester consegue dosar bem as tonalidades de Bia ao longo desse trajeto de convivência ao lado de seu novo e tão incomum amigo.
É bonita também (mais que isso, é elegante) a relação que Ana Luiza empresta ao seu Ernesto com a poesia do uruguaio Mário Benedetti. O protagonista, fã do escritor, é igualmente melancólico, mas também humorado. E Bolani merece muitos créditos na corporificação dada ao personagem. O rosto duro e impassível do ator, pronto para as horas duras, flexiona-se com sutileza para as horas doces e suaves que as diversas inflexões do roteiro exigem.
Aos olhos de Ernesto exibiu pela primeira vez no 24º Festival Internacional de Busan (Coreia do Sul), também passou pela 47º Mostra de Cinema de São Paulo, no qual foi celebrado pela crítica, recebeu o prêmio do público no 23º Festival Internacional de Cine de Punta del Este (que também premiou Bolani), e exibiu ainda no 41º Festival de Nuevo Cine Latinoamericano de Havana, além de ter passado pela Mostra Latina do Festival do Rio 2019.
Agora é a sua vez de vê-lo na tevê, computador ou no seu dispositivo móvel.
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