44ª Mostra SP (2020) – Nova Ordem
Verde é a cor mais bruta ou a morte da esperança.
Por Luiz Joaquim | 22.10.2020 (quinta-feira)
Em entrevista online, Renata de Almeida, responsável pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, deixou avisado: “É polêmico”. Referia-se a Nova ordem (Nuevo Orden, Mex./Fra., 2020), ficção de Michel Franco escolhida para representar a abertura, a partir das 20h de hoje (22), da 44ª edição do evento . Pela primeira vez, o evento acontece majoritariamente online, por streaming (entenda como ver os filmes da Mostra ao final desse texto).
Quem vir este novo filme de Franco que, mês passado, levou o grande prêmio do júri no Festival de Veneza, estará vendo a coroação da crescente carreira do cineasta mexicano, que assume, sem pudor, o ódio como leitmotiv de sua narrativa. Ódio que estimula o justiçamento (não a justiça) como resposta dos socialmente oprimidos.
Num contexto assim, a tensão é constante e, como poucos cineastas nesta segunda década do século 21, Franco trabalha com a violência gráfica como elemento primordial para dar corpo ao seu discurso. Apesar disso (ou exatamente por isso), o que torna seus filmes, digamos, atraente às vistas de uma ala da intelectualidade cinematográfica no mundo é que o horror da violência aqui está intrinsicamente ligada a um personagem injustiçado.
Foi assim com a adolescente vítima de bullying no seu segundo longa-metragem – Depois de Lucia (2012), obra que lhe apresentou ao mundo, já carregando um prêmio do Un certain regard, em Cannes -, e foi assim com o enfermeiro de pacientes terminais de Chronic (2015), também premiado em Cannes pelo se roteiro.
No caso de Nova ordem, o personagem perturbado é uma sociedade inteira, servindo de espelho àquela que conhecemos em nossa vida – na qual a riqueza somada de dois mil bilionários é maior do que toda a riqueza somada dos que formam 60% da população mundial.
Mas, no filme, essa sociedade é apresentada num grau, digamos, mais “adiantado” em termos de barbárie apenas porque Franco a registra com detalhes em sua sistemática frieza, além de fotografá-la sem falsetes. Se a vítima não obedece rapidamente ao que o algoz determina, leva um tiro e morre. Tudo é apresentado num mesmo plano, sem os artifícios da montagem ou de diálogos dramáticos. Simples assim.
Na ‘nova ordem’ dessa insurreição proposta pelo enredo do filme, não há espaço para argumento, porque não há razão nas ações que não seja a de massacrar a burguesia (pelo gozo do ódio) e dela extrair a riqueza.
O enredo aponta para uma festa milionário de casamento num rico bairro da Cidade do México. A cerimônia está atrasada porque a juíza não consegue chegar ao local. Motivo: há uma revolta dominando toda a cidade, que fugiu ao controle das autoridades. Não demora e alguns revoltosos invadem a festa. A partir daí o espectador passa a testemunhar a danação. A explosão de uma fúria que seguiu submersa por toda uma existência, no caso, a existência de uma população submetida a toda sorte de injustiça social.
O interessante aqui, na condução deste filme por Franco, é que a leitura aqui colocada serve até a primeira metade do filme, pois, dali, começamos a ter dicas de que a insurreição não foi legítima, mas manipulada. E, mais ao final, numa outra camada de informação bem dosada pelo roteiro, entendemos que o agente manipulador é muito maior e mais poderoso; e, ainda, que o povo, em sua ira libertária, está agindo novamente como um fantoche. Desta vez, manipulado por uma nova ordem ainda mais aterrorizante que a anterior.
Significa, então, que a ‘velha ordem’ seria melhor? Não. Na verdade, o recado que Franco nos dá é que não há esperança. Ela está morta. Ainda que, no filme, a cor da revolução (com essa palavra trazendo todos os significantes de governos ditatoriais) seja a cor verde (oliva?).
A esperança está morta para uma população que acredita ter se insurgido contra um sistema que a oprime, sem ter a menor ideia do que está colocando em seu lugar. É o fim.
Como ver os filmes da 44ª Mostra de SP – Todos os 198 filmes desta edição estarão disponíveis online, com acesso individual ao preço de R$ 6. O primeiro passo é conhecer a plataforma MostraPlay na qual é possível acessar o cardápio com as obras e acessá-las.
Mas seja rápido, pois os títulos têm um limite de visualizações (dois mil acessos), alguns têm até menos. É inteligente, portanto, garantir logo a compra daquele filme que você quer mesmo ver.
Os filmes ficam disponíveis por todo período da Mostra, exceto por alguns títulos como, por exemplo, a escolhida para abrir o evento, Nova ordem, acessível apenas entre a meia-noite de hoje (22) até às 23h59 de amanhã (sexta-feira, 23).
A Mostra também conta com outras plataformas parceiras, como o da Belas Artes e as do SescSP e SPcinePlay (com estas últimas abrigando 31 filmes gratuitos).
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