44ª MostraSP ’20: A Morte do Cinema e do Meu Pai
O filme fora do filme que transforma o filme dentro do filme. Conheça uma intrigante produção de Israel
Por Luiz Joaquim | 28.10.2020 (quarta-feira)
A morte do cinema é uma filmagem, ou gravação, que não termina, que não é concluída. Pode ser também um filme que nunca chegará a ninguém. Já a morte de alguém é uma vida que termina. Esta última é inevitável e ambas mortes, por definição, chegaram a um fim. Mas o fim do cinema parece sempre encontrar uma saída e revelar-se por um novo começo.
A morte do cinema e do meu pai também (Moto Shei Hakolnoa Veshel Aba Sheli Gam, Isr., 2020), de Dani Rosenberg, é uma prova concreta dessa ideia.
Mistura despudorada de construção dramatizada com registros documentais, ele promove uma saudável confusão no espectador para apresentar seus personagens e relacioná-los em função do filme que estamos vendo e em função da vida real do diretor Dani Rosenberg (interpretado pelo ator Roni Kuban, cujo personagem atende pelo nome de Asaf) e do seu pai (?) Marek Rozenbaum (na ficção como Yoel).
Lembrando que Rozenbaum é mesmo reconhecido como um celebrado produtor de cinema de Israel, embora nada disso seja colocado pelo filme. Na verdade, a precisão das identidades de Dani, Asaf, Marek e Yoel não interessa para o contexto que A morte do cinema… que trazer.
O jogo está no espectador misturar contextos reais e criados para acessar dramas que se configurarão reais – porque transformarão os espectadores durante o processo: seja pelo humor do “filme dentro do filme” (um pai que quer convencer a família a fugir de Israel porque recebeu uma informação privilegiada de Washington sobre um futuro bombardeio dos iranianos), seja pelo triste fim para o qual o enredo do “filme fora do filme” nos leva, e obriga o projeto original a tomar outro caminho.
Essa engenhosidade na narrativa é o que torna este segundo longa-metragem de Rosenberg intrigante, sem abrir concessões para ninguém em sua capacidade (a do filme) de iludir – lembrando que na ideia de iludir reside a essência do cinema.
Numa das diversas brigas entre o pai Marek/Yoel e o filho cineasta Dani/Asaf, insistindo com o pai (que sofre de uma doença terminal) para que continue nas gravações de seu filme, o filho escuta do irritado moribundo: “Gravação! Você está fazendo um filme num formato que estará obsoleto em dois anos!”.
Em outras palavras, a morte do cinema também pode encontrar seu algoz nas falsas urgências definidas pelo capitalismo. Mas esta é uma outra história.
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