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Deu a louca na programação!

Salas programam filmes “velhos”, streaming oferece gratuitamente filmes novos. E daí? Aonde chegaremos?

Por Luiz Joaquim | 15.10.2020 (quinta-feira)

– na foto divulgação acima, uma das salas (da Gávea, no Rio de Janeiro), do circuito Estação NET.

Quem acompanhou, há um ano, em outubro de 2019, a 43º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo teve a oportunidade de conhecer numa sala de cinema o contundente Transtorno explosivo (Systemsprenger), trabalho da diretora alemã Nora Fingscheidt que, inclusive, foi o indicado do seu país na busca por uma vaga na competição de melhor filme internacional do Oscar 2020. A propósito de sua exibição na Mostra de SP do ano passado, a obra saiu de lá com o Prêmio do Júri de melhor ficção na competição ‘Novos Diretores’.

Com os direitos de distribuição no Brasil adquiridos pela paulista Imovision, Transtorno explosivo tinha data de estreia agendada originalmente para 26 de março de 2020. Porém, poucos dias antes, o País se viu obrigado a interromper suas atividades em função de um bem maior: a saúde pública e a vida humana.

Ainda que, conforme o Ministério da Saúde, a Covid-19 tenha vitimado fatalmente no Brasil 749 pessoas entre anteontem e ontem (14 de outubro), salas de cinema começaram a reabrir pelo País sob protocolo sanitário estabelecido pelos governos estaduais. Nesse horizonte, Transtorno explosivo ganhou nova data de estreia, em algumas salas. No caso do Rio de Janeiro, o filme conheceu a tela da sala 4 do Estação Net Gávea, com sessão ao preço de R$ 30, na sexta-feira passada (9).

Ainda que carregue o apelo de ser um filme premiado e instigante – contando a história da pequena Micha, que, com seus 9 anos de idade, é pura raiva e toca o terror atingindo todos ao seu redor -, a produção alemã já não é mais inédita para uma parcela do público que potencialmente iria desfrutar dela numa sala de cinema.

No início deste outubro, esse mesmo título esteve disponível gratuitamente por streaming pela plataforma do Sesc Digital, dentro da programação ‘Mostra Alemã de Cinema: Elas dirigem!’.

Cena de “Transtorno Explosivo”. Onde ver?

E DAÍ? – Usamos o Transtorno explosivo apenas a título de ilustração para apontar que, mesmo que não houvesse uma pandemia separando a intenção de sessão em março da sessão ocorrida semana passada, o drama alemão só chegaria ao circuito comercial no quinto mês (março 2020) após sua primeira exposição na Mostra de SP (out. 2019).

Se consideramos os padrões legais de disponibilidade dos filmes para lançamento no mercado exibidor oficial, esse é (ou era) um delay habitual, que segue uma lógica própria do mercado, ao obedecer um padrão repetido há mais de meio século. O padrão: Primeiro a estreia mundial em grandes festivais internacionais, depois em festivais menores até chegar ao circuito exibidor comercial e, depois, ir parar na tevê (com o lançamento em home-video se metendo entre as salas de cinema e a tevê a partir dos 1980).

Mas, se olharmos a programação que reabre os cinemas neste outubro pandêmico, o que encontraremos é uma cartela de filmes que pode ser identificada da seguinte forma: títulos novos que haviam entrado em cartaz há sete meses (e foram arrancados às pressas); obras estrangeiras de apelo pop que renderam bons lucros em seu recente passado nas bilheterias; clássicos; produções nacionais populares do passado e alguns poucos (quase) inéditos, como é o caso de Transtorno explosivo (leia mais a respeito na matéria ‘Moviemax e Fundaj (Recife) reabrem cinemas’).

Nesse sentido, é curioso observar o circuito exibidor se escorando hoje em filmes “velhos” para tentar seduzir o seu espectador a voltar para um espaço onde a primazia do encantamento passava pelo que há de novidade em sua programação. Mais do que nunca, empresários e programadores de salas de cinema devem estar caindo em si de que a outra parte sedutora desse negócio – que é a excelência técnica e de ambiência dos cinemas – é algo primordial para, talvez, tirar de casa aquele espectador assustado com uma doença contagiosa que pode ser transmitida pelo ar contaminado e com possível efeito fatal.

DILEMA? – Daqui a uma semana, exatamente em 22 de outubro, a Mostra de SP inicia sua 44ª edição. A primeira online (com poucas sessões ao ar livre nos Belas Artes Drive-In e no CineSesc Drive-in, em São Paulo), oferecendo 198 títulos. Entre eles, alguns dos filmes mais esperados do circuito mundial (entenda os detalhes clicando aqui), com sessões, cada, ao preço de R$ 6.

Em tese, salas de cinema que se alimentam desses filmes, como o mexicano Nova ordem, de Michel Franco, que abre esta edição do festival paulista, o programariam para estrear em seu circuito exibidor daqui a meses. Para salas em praça comercial fora do eixo Rio-São Paulo então, o ineditismo costumava ser um chamariz ainda mais eficiente aos cinéfilos do que são as flores para as abelhas. E o delay só adocicava ainda mais a expectativa dos fãs de filmes.

Mas, e em tempos de disponibilização legal dos filmes, simultaneamente, para todo o país, em seu dispositivo pessoal, antes das salas de cinema, e a apenas um suave toque no seu touch screen? Como esse acesso prévio (e bem mais barato) afetará a frequência dos usuários de salas de cinema nesse processo de reabertura, tendo também a Covid-19 ainda como uma ameaça real?

Não são perguntas fáceis de responder. E bons profissionais já vêm quebrando a cabeça com esse tema. O certo é que um paradigma quase secular, no que diz respeito à programação de salas de cinema, está sendo colocado em xeque, e apenas os competentes, corajosos e inovadores devem vencer essa batalha para fazer com que aquele que é, para tantos, um pequeno espaço mágico no mundo – a sala de cinema – volte a ser reconhecido pela sua nobreza em ser a primeira janela a apresentar uma obra de arte a um público comum, a você, a todos nós.

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