Rebecca: A Mulher Inesquecível (2020)
Rebecca, a versão esquecível
Por Marcelo Lyra | 09.11.2020 (segunda-feira)
Por conta do meu curso sobre os filmes de Alfred Hitchcock, que irá virar livro em breve, vários alunos tem me perguntado sobre o novo filme Rebecca, a Mulher Inesquecível, de Ben Wheatley, que estreou recentemente na Netflix. Normalmente não sinto motivação para escrever sobre filmes medianos, mas esse é incontornável.
A primeira observação sobre o novo Rebecca é que é um equívoco chamá-lo de “um remake do filme de Hictchcock”, como muitos críticos estão fazendo. Não há quase nada de hitchcockiano nele. O filme deve ser assistido como o que realmente é: uma nova adaptação do bom livro de Daphne Du Maurier. Tanto que mantém o final original do livro, diferentemente da versão hitchcockiana, que teve de curvar-se à imposição do poderoso produtor David Selznick e do Código de Conduta de Hollywood, pelo qual um assassino não pode ficar sem punição. Assim, na versão Selznick-Hitchcock o marido não é mau (estou fazendo um contorcionismo para não dar spoiler). Ou seja, o novo Rebecca é um filme romântico de mistério, que tem como tema central o que teria acontecido com Rebecca.
Já Hitchcock estava bem mais interessado na relação de dominação entre a governanta e a nova esposa (que no livro e nos filmes não tem nome, para ressaltar sua insignificância). A maneira como ele filma as duas atrizes, Joan Fontaine e Judith Anderson, por exemplo, é cuidadosamente elaborada no uso da luz e do posicionamento da câmera. Esta era uma atenção que ele costumava reservar à musas como Grace Kelly e Ingrid Bergman.
Joan e Judith são atrizes soberbas e suas atuações estão entre seus melhores momentos no cinema (ambas foram indicadas ao Oscar). A governanta tem aparições repentinas e assustadoras, quase como se fosse um fantasma e isso, aliado ao contraste entre claro-escuro e uso das sombras tão característico da obra de Hitchcock (fruto da influência do expressionismo alemão), tornam seu Rebecca uma espécie de terror gótico. A timidez de Joan e sua pequenez diante da grandiosidade da mansão são evidentes e a tornam presa fácil para a governanta.
Nada disso se destaca no novo filme. A começar pela inevitável comparação com a nova dupla Lily James e Kristin Scott Thomas, que é cruel, particularmente para Lily. Embora se esforce, ela não tem o ar frágil de Joan, o que tira todo o sentido da relação com Kristin, que é essencial também no livro. Os sustos que Lily leva com a governanta são muito mais mostrados pela reação da atriz do que provocados pela ambientação, como ocorre no filme de Hitchcock. A governanta é igualmente má, mas não assustadora.
Para piorar, Wheatley é fiel ao livro e elimina a insinuação homossexual sutilmente encaixada por Hitchcock na relação governanta-Rebecca (Selznick provavelmente não percebeu esse detalhe senão certamente teria cortado), o que acrescia uma nova conotação ao desprezo da governanta para com a nova esposa e também estabelecia uma relação de dominação entre Rebecca e sua governanta. No novo filme, a governanta criou Rebecca desde pequena, o que confere ares de ciúme materno à sua relação com a nova esposa. Isso não existe no livro. Há outras liberdades com a obra de Du Maurier, incluindo o que acontece com a governanta, mas mudanças em livros não são um problema. Seu resultado sim.
O diretor Wheatley centra sua atenção no romance entre Max de Winter e a nova esposa, tanto que prolonga bastante a fase do namoro dos dois em Mônaco. O ator Armie Hammer tem uma atuação bem mais convincente que Lawrence Olivier (o único gol do novo filme nesse 7×1 de Hitchcock). Claro que Olivier é um ator superior, mas no caso de Rebecca ele estava desinteressado, provavelmente magoado com o fato de sua então mulher Vivien Leigh ter sido preterida para o papel principal. Assim, muitas vezes Olivier parece sonolento, outras exagerado e teatral. Como Hitchcock não tinha muito interesse no personagem, deixou-o à deriva.
Se assistido como uma nova versão do livro, o novo Rebecca é uma adaptação mediana, mas pode ser visto como um filme romântico relativamente aceitável. Para os fãs de Hitchcock, é um filme medíocre, sem nuances e totalmente dispensável.
Excelente crítica. Remakes sao complicados porque geram muita comparação.. e comparar qq diretor com Hitchcock é maldade… ele é único. De toda forma, adorei o 7×1 para o Hitchcock e a “fofoca” sobre o personagem masculino.. excelente texto. Obrigada! Ah, vou assistir ao remake e procurar o original. Adorei a crítica.