Roterdã, IFFR (2021) – Pebbles
Exercício indiano que resvala na espetacularização e no exotismo de butique para festivais
Por Marcelo Ikeda | 06.02.2021 (sábado)
Conhecemos muito pouco do cinema indiano, um país que produz mais filmes que os Estados Unidos, e em circunstâncias muito particulares. De um lado, a indústria cinematográfica indiana é pujante, com os extravagantes musicais típicos de Bollywood. Mas também há dramas sociais realistas, que mostram um outro lado da sociedade indiana. Ainda assim, há raros filmes (pelo menos que cheguem até nós) mostrando os modos de ser do interior dos vilarejos que compõem a Índia rural.
Pebbles, de Vinothraj P.S., possui, portanto, essa camada de interesse por nos mostrar, de forma impressionante, a vida social no interior da Índia: a escola, as comunidades rurais, as pequenas casas, os precários ônibus intermunicipais, etc. O filme nos impressiona por como incorpora a paisagem em locação como protagonista, usando o cinema de ficção para dar a ver um contexto social, aos moldes da escola do neorrealismo italiano.
No entanto, Pebbles não está propriamente interessado num retrato social da miserabilidade do povo em tom vitimista, mas estrutura sua base dramatúrgica na relação entre um pai e um filho. A princípio, poderíamos, então, pensá-lo então com base no humanismo de um Ladrões de bicicletas (1948) ou mesmo nos filmes da trilogia de Apu (1955-59), do também indiano Satyajit Ray. O drama de uma família que tenta sobreviver à seca também poderia nos fazer lembrar do brasileiro Vidas secas (1963).
Mas definitivamente não se trata de nada disso. A relação entre pai e filho é dura; a família é partida. Pebbles é um filme de ação, uma travessia em estado físico. Um pai retira o filho da escola e pega a estrada para encontrar a esposa; primeiro, de ônibus, depois, a pé. Mas a violência do pai nos assusta: parece que ele quer mais violentar a esposa do que propriamente enamorá-la. A mãe da criança permanece sempre nesse extracampo distante. O filho simplesmente segue o pai, sem receber de volta nenhum carinho, nenhum afeto. A força da expressão dos dois protagonistas (pai e filho) é marcante: a força bruta do pai e a ternura ingênua do filho. A enorme seca indiana é expressa pela presença expressiva da paisagem, especialmente na segunda metade do filme, numa impressionante travessia física pela estrada desértica, fora da estrada.
Num determinado momento de transição, entre o ônibus e a caminhada a pé, os dois personagens chegam a um vilarejo, onde o (des)encontro acontece por meio de um engenhoso plano sequência, com dois amplos movimentos circulares de tirar o fôlego, o que mostra uma curiosa variação no meio do filme, um desejo de linguagem.
Pebbles não é um filme edificante, seja sobre as condições socioeconômicas do interior indiano, seja sobre a viagem como travessia humanista de autoconhecimento e reaproximação entre pai e filho. Quase não há informações; o pai brutal não se transforma; não se encontra a redenção por meio do sacrifício.
Ao mesmo tempo, é nítido o desejo do realizador de impressionar e chocar o espectador, com cenas fortes de impacto, resvalando na espetacularização e no exotismo de butique para os festivais internacionais. As longas caminhadas dos personagens são estrategicamente arquitetadas para valorizar a paisagem local em sua estranheza para o espectador ocidental. Em outra cena, mulheres montam armadilhas para caçar ratos e depois comê-los numa fogueira. Ainda que Pebbles nos impressione pela força crua com que arregimenta certas imagens, e especialmente pela presença intensa do duo de atores, quando cessa o efeito dos recursos de impacto, fica uma sensação de espetacularização e exotismo de choque, mais do que um olhar humano para essa comunidade. O virtuosismo de choque do olhar para o cinema e para o mundo de Vinothraj P.S. está muito longe da beleza poética e do humanismo profundo do cinema iraniano.
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