O Som do Silêncio
Perder e saber seguir para aprender a voltar ganhar. Ahmed é puro espetáculo dramático em filme tocante.
Por Luiz Joaquim | 21.03.2021 (domingo)
É provável que em algum momento você queira ver O som do silêncio (Sound of Metal, EUA, 2019) – primeiro longa-metragem de ficção do Darius Mader (que roteirizou O lugar onde tudo termina). Afinal, a produção da Amazon (disponível por streaming no Prime Vídeo) está na mais influente vitrine de filmes do mundo: o Oscar, pelo qual concorre em seis categorias, incluindo melhor filme – além de ator (o britânico-paquistanês Riz Ahmed), ator coadjuvante (Paul Raci, excelente), roteiro original, montagem e, obviamente, melhor som).
‘Obviamente’ porque o desenho de som neste filme é crucial. É peça determinante para nos colocar no mesmo nível de percepção de mundo que o protagonista Ruben (Ahmed, hipnótico) vai viver a partir da súbita perda de 75% da audição em cada um de seus ouvidos.
E essa confluência entre a técnica de sonorização aplicada ao filme e a sua narrativa dramática está muito bem diluída ao longo de toda extensão da obra. Não apenas isso, ela abre e fecha O som do silêncio (o título original O som do metal, em tradução livre, é mais eloquente aqui), como que formando uma elipse do amadurecimento na vida de Ruben.
Se na cena de abertura, já contagiante, com Ruben na sua bateria e sua companheira Lou (Olivia Cooke) distorcendo o som metálico de sua guitarra num concerto punk, o espectador percebe aquela distorção como prazer, como criação artística e pulsante, como desejo de vida. No outro extremo do filme, o som metálico que chega a Ruben é o oposto disso tudo. É a falência da vida como algo que quer forjar a própria vida. Caberá a Ruben, portanto, crescer ou manter-se preso a uma farsa.
O som do silêncio é, em várias instâncias, valioso e vitorioso. Ele é atraente em nos colocar nesse inquietante trajeto de amadurecimento ‘a pulso’ de um jovem artista e sensível ao seu modo. Ele é competente em nos apresentar e nos fazer imergir no universo daqueles com limitação auditiva sem apresentá-los como vítimas. E é competente, pelas estratégias do cinema, nos dando, por exemplo, um roteiro que nos alimenta com pequenas doses ao longo de sua duração sobre o passado desses personagens por quem já nutrimos simpatia desde os primeiros dez minutos iniciais de transmissão (se visto numa sala de cinema, escreveríamos aqui “de projeção”).
Isso sem contar, como já mencionamos, o a utilização e controle, sem cair na tentação do exagero, da representação dos sons que chegam a uma pessoa que, num minuto, tem sua audição perfeita e, no minuto seguinte, passa a escutar apenas 25% do que ouvia antes.
Tamanho desafio dramático poderia ficar no meio do caminho de sua dura beleza artística se o elenco não segurasse a onda dessa carga de desespero numa medida precisa entre o horror e a tentativa de manter a sanidade correndo simultaneamente. É o que Ahmed, em performance inesquecível, consegue aqui. Tal qual Cooke, como a namorada de Ruben.
Atenção para a cena de Ruben escutando Lou cantando com o pai dela (Mathieu Amalric) ao piano. É o som, amparado sob o rosto dos atores, que aqui resolve, sem palavras, o drama sem volta do protagonista.
Sequências assim, não se esquecem jamais. E, certamente, farão de O som do silêncio ser lembrado para sempre quando o assunto for o som, esteja essa palavrinha de três letras desdobrada nas mais diversas variáveis de sentido que ela possa oferecer.
Veja e, principalmente, escute O som do silêncio.
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