Blackbird: A Despedida
Remake de “Coração Mudo” (2014) faz um retrato otimista da morte, mas deixa os conflitos na superfície
Por Amanda de Luna | 05.04.2021 (segunda-feira)
Dentre as certezas de uma vida está a morte, a qual costumeiramente é sucedida pelo luto, não o contrário. Morrer, embora certo, não possui, em regra, data e hora marcada. Tal premissa serve de base para que Blackbird: A despedida (Blackbird, EUA, 2019) possa trazer a perspectiva de uma espécie de luto precoce, daquela que sabe exatamente quando e como irá morrer. Tem-se assim, uma narrativa de início potente, mas que comete equívocos no desenvolvimento dos conflitos de seus personagens.
A história se apresenta, basicamente, por meio de Lily (Susan Sarandon) que, acometida há certo tempo pela esclerose, decide pôr fim ao seu sofrimento, optando por provocar a própria morte com o auxílio de seu marido. Sua partida, no entanto, não deve ocorrer sem que antes haja um adeus à família, motivo pelo qual, durante seu último final de semana, reúne em casa as pessoas importantes de sua vida para viverem juntos suas horas finais.
Na direção de Roger Michell (Um lugar chamado Notting Hill), embora guarde uma temática que carrega, à primeira vista, uma carga dramática latente, Blackbird assume um papel mais reflexivo do que melodramático. A partir de uma fotografia que valoriza a suavidade do azul e tons mais claros, o filme, por exemplo, implica sobriedade e uma suavidade que contribui para um afastamento da típica comoção do gênero.
Nesse sentido, é constante a observação de elementos da linguagem que cumprem a função de exercer contrastes que costuram a obra sob um aspecto mais contemplativo. Grande exemplo desse quesito pode ser verificado no tom impoluto da mise-en-scène, da trilha sonora, do enquadramento como atenuantes do conflito principal da obra.
Da mesma maneira, amparando-se em planos mais abertos, Michell permite também que a personalidade dos personagens seja expressa por meio da linguagem corporal, nos trejeitos e em movimentos naturalizados, que indicam, mas não aprofundam os sentimentos dos coadjuvantes. A construção dos conflitos desses é obstada na ausência de desenvolvimento das relações que rodeiam a personagem de Sarandon.
Quando apresentadas as filhas de Lily (Winslet e Wasikowska), percebe-se, de imediato, que há mais um contexto e problemáticas relacionais entre não apenas mãe e filha, mas também entre irmãs, só que não explorado o suficiente. O filme opera tanto em grande parte do seu desenvolvimento de forma retilínea, poupando a audiência de melodrama, que apresenta as divergências familiares tardiamente, sem haver uma construção progressiva dos conflitos e das relações ali imbricadas.
O que se gera, portanto, é, em algum momento, a impressão de que há personagens desnecessariamente em excesso ou de que há uma tentativa de justificativa para sua presença com uma exploração rápida de falas que resumem seu papel na narrativa ou sua personalidade.
Apesar de tal dinâmica, Blackbird acerta nos contextos que ali valem ser discutidos, sem se preocupar em adentrar questões éticas vinculadas ao suicídio ou eutanásia, o que é em demasia valoroso, pois não é isso que o filme busca propor. Em verdade, pode-se apostar que o que se assiste procura tratar mais de vida do que de morte. Afinal, quão trivial da vida e otimista é o ato de fazer uma costumeira visita aos seus sem esperar que seja a última?
Blackbird: a despedida está disponível nas seguintes plataformas: Now, iTunes, Google Play, Youtube Filmes, Vivo Play e Sky Play.
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