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Reportagens

Curtas fazem força para emplacar no ano 2000

Apesar do talento reconhecido, os realizadores pernambucanos ainda encontram mais promessas que ajuda.

Por Luiz Joaquim | 29.04.2021 (quinta-feira)

– reportagens originalmente publicada na capa e na página 3 do Caderno C, Jornal do Commercio (Recife), em 24 de julho de 2000 (segunda-feira). Na foto acima, de Roberta Guimarães, Adão Pinheiro, Braz Chediak e Leilany Fernandes discutem filmagens de Maria Moura, no município de Caboclo.

São 11 os rebentos cinematográficos que Pernambuco promete para a safra 2000. Salvo algumas exceções, boa parte desse número está tendo muito trabalho para arrecadar recursos. Nem mesmo o comportamento profissional ou o respaldo de premiações tem facilitado o acesso a patrocinadores ou a uma aprovação na Lei de Incentivo a Cultura. É o caso de O mensageiro, roteiro de Osman Godoy que recebeu menção honrosa no concurso municipal Firmo Neto 1999. O projeto chegou também a ser premiado em março último, no Festival de Cinema do Recife, através do apoio de produtoras.

Ficou combinado que a Quanta entra com a maquinaria (iluminação, grua, trilhos, etc.) A Casablanca Finish faz a telecinagem. A Kodak fornece seis latas de filme 35mm (com duração aproximada de quatro minutos), e o Centro Técnico e Audiovisual da Funarte (CTAV), no Rio de Janeiro, oferece mais duas latas além da locação gratuita de câmera, equipamento para captação de som e prestação de serviços de finalização sonora e mixagem.

A premiação totaliza algo em torno de 70% para realizar um curta e, com tanta propensão para dar certo, Godoy (figura atuante no Movimento Super8 do Estado), não tinha dúvidas que O mensageiro receberia a aprovação do Sistema de Incentivo à Cultura da Prefeitura. A seu favor, havia também a proposta do roteiro. Com O mensageiro, Godoy vai mostrar todos os detalhes que movimentaram o Recife no processo de execução de Frei Caneca, em 1825. O problema é que o cineasta precisa de recursos para pagar a equipe técnica, o elenco e comprar outras 20 latas de filme (ao preço de R$ 800,00, cada). “Quando submetemos o projeto ao SIC, já tínhamos, inclusive, um documento de compromisso de uma empresa comprometendo-se em participar do projeto com R$ 50 mil. Precisamos começar novamente. O próximo passo é recorrer à lei na instância federal”, revela indignado.

REPETECO – Quem conhece bem a história de Godoy é a cineasta Liz Donovan. Seu roteiro Tapacurá (sobre o boato de 1975 a respeito do estouro da barragem) foi o premiado do Festival em 1999, e recebeu os mesmos apoios que O mensageiro. Mas o problema da diretora estava em encontrar mecenas que participassem com a isenção do ICSM. Só em fevereiro, com os R$ 20 mil que conseguiu graças ao aval da CELPE, Liz iniciou as filmagens. A boa nova é que a diretora conseguiu mais crédito com a Companhia Elétrica e deve realizar a segunda etapa das filmagens em setembro.

Atualmente, Liz está voltando ao Recife para programar o lançamento de O universo imaginário de Francisco Brennand (título provisório). Na semana passada, ela estava nos laboratórios da Líder (no Rio), ampliando as imagens do curta para 35 mm (foram captadas no formato Super16 e Betacam). “O filme só saiu porque BCP apostou integralmente no roteiro”, explica Liz que já garantiu a presença de seu novo ‘filho’ no 11º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, em agosto.

Marcos Enrique Lopes, autor do roteiro A composição do vazio, também já está articulando a sequência das filmagens no Rio e São Paulo. Lá, ele deve registrar depoimentos de pensadores, como Marilena Chauí, para completar as imagens do documentário. O roteiro de A composição… foi contemplado pelo concurso Firmo Neto em novembro último com R$ 60 mil (dos quais 17 mil foram debitados para impostos). Nele, Marcos Enrique discorre sobre a vida e obra do filósofo pernambucano Evaldo Coutinho.

Osman Godoy, em foto de 2000

Criatividade é a chave para “fugir” das Leis de Incentivo

Produtoras cobram ingresso de curta que estreia em janeiro – Correndo por fora da raia burocrática que leva ao respaldo da Lei de Incentivo à Cultura, Maria Pessoa e Janaína Freire uniram forças e criaram a Alamoa – nome fantasia dado ao núcleo de produção audiovisual que gostariam de ver funcionando no Estado. Como carro chefe dessa união, ambas estão tocando a pré-produção de dois curtas de ficção, depois de tentarem (sem sucesso) obter aprovação do SIC.

Com bastante vontade e impressionante profissionalismo, as duas desenvolveram um minucioso cronograma de metas. É que elas querem gravar já na primeira semana de setembro tanto A Carteira (direção de Maria, roteiro de Janaína) quanto BetaHCG (direção e roteiro de Maria, produção de Janaína).

O primeiro se passa dentro de um coletivo quando os passageiros iniciam uma discussão a partir de uma reportagem publicada num jornal. Depois da celeuma instalada, com gente condenando e defendendo o assassino, uma carteira desaparece dando início a suspeitas, acusações e até agressões. O outro curta (cujo título soa familiar às grávidas) é uma comédia romântica na qual um casal tenta gerar um filho.

Lembrando uma entrevista que assistia com Steven Spielberg, Maria Pessoa conta que elaborou um plano alternativo para levantar o valor necessário para a pré-produção dos dois curtas – a produção de ambos está calculado em exatos R$ 55.021,55. “Para fazer seu primeiro filme, Spielberg usou 500 dólares do pai. Com o filme pronto, ele organizou uma sessão para a vizinhança, vendendo 501 ingressos ao preço unitário de um dólar. Nós resolvemos vender ingressos antecipado para quem quiser estar na sessão de lançamento dos curtas, em janeiro, no Cineteatro do Parque”, explica a diretora enquanto Janaína adianta que 10% dos ingressos já foram comprados.

Além do apoio da Fundação de Cultura Cidade do Recife, cedendo o espaço do Parque, as moças conseguiram que a produtora Center liberasse o estúdio para que elas selecionarem o elenco – já definido. A origem do tom profissional que Maria Pessoa vai tocando o projeto vem de sua participação em mais de 20 curtas na Inglaterra, onde estudou especialização em cinema no London International Film School.

Em Pernambuco, esteve envolvida em várias das recentes produções (de Simião Martiniano: O camelô de cinema até A visita); assumindo em cada uma delas as mais diversas funções (fotógrafa, assistente de direção, supervisão de pós-produção). Sua parceira, Janaína Freire, já tem no currículo a premiação do Ministério da Cultura pela coautoria no roteiro do curta Morto-vivo. “Isso não é uma aventura e todo nosso esforço não acontece apenas para concretizar o sonho de fazer um filme, mas para consolidar a produção audiovisual pernambucana e estimular a prática profissional, gerando emprego”, diz Janaína.

Assim como aconteceu com Morto-vivo, A carteira e BetaHCG serão gravados numa câmera digital e posteriormente ampliado para película de 35mm. Quem estiver interessado em colaborar (inclusive patrocinadores) deve contactar as produtoras pelo e-mail alamoa@hotmail.com

FILME – O diretor de Morto-vivo, Martim Simões, que pretende assinar a obra com “msim”, está viajando para São Paulo onde vai finalizar o filme com Miriam Bidernan (a mesma que editou o som de Eu, tu, eles, de Andrucha Waddington). O curta apresenta um homem vivendo o dilema de obedecer ou não ao último desejo que um suicida registrou no próprio testamento.

O vídeo está pronto desde janeiro. “Gravar com DVCam possibilitou que eu gastasse R$ 40 mil na produção. Vou ampliar as imagens em película, e correr atrás, mais uma vez, de recursos pela Lei Federal”.

Em 2000, apenas 11 obras estavam em gestação em todo o estado de Pernambuco

Maria Moura é o mais adiantado

“Cabra nenhum vai botar o pé no meu pescoço”, diz a certa altura um personagem no longa-metragem Maria Moura, que começa a ser rodado dia 27 de agosto [de 2000] no município de Caboclo (a 110 km de Petrolina). A frase soa como um lembrete dos produtores de audiovisual dizendo que, apesar das dificuldades, ninguém vai desistir de fazer cinema. Assim como Maria Moura, projeto que nasceu fora do Estado mas conta com locações, mão-de-obra e elenco pernambucano, mais dois longas (o carioca São Francisco: Um rio cheio de história e o argentino s@udade.com) estão atualmente em fase de pré-produção.

Dos três, Maria Moura (baseado na obra de Rachel de Queiroz) é o que está em estágio mais adiantado. Além de Caboclo, os municípios de Petrolina, Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca, Nazaré da Mata, Triunfo e Buique já foram definidos como locação de filmagem.

“Ficaremos três semanas em Caboclos. Aquele lugar é uma cidade cenográfica natural. A única modificação que estamos fazendo é na fiação elétrica do município. Com o apoio da Celpe, vamos tirar os postes e implantar uma eletrificação subterrânea”, diz o produtor executivo Vitor Lustosa. É lá também que todo um engenho do século passado será totalmente reproduzido em maquete para a simulação de um incêndio. “Vamos ainda preparar oficinas com os artesões das localidades por onde passarmos. A ideia é criar mão-de-obra especializada para os novos projetos cinematográficos que devem chegar por ali no futuro”, completa.

Orçado em R$ 4,5 milhões, Maria Moura, dirigido pela cearense Leilany Fernandes, conseguiu certificados da lei federal Rouanet, do Audiovisual, e da estadual (do Rio de Janeiro e de Pernambuco) para captação de recursos. Juntamente com a Celpe, a Fiat (que participa emprestando veículos para a produção), a Eletrobrás, a Petrobras, e a Chesf estão apoiando o projeto. Lustosa ressalta ainda que o trabalho não teria progredido se não tivessem conquistado a confiança das autoridades dos municípios envolvidos.

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