Os 1970s que Amamos (#14)
O Pequeno Grande Homem (Little Big Man, 1970)
Por André Pinto | 12.05.2021 (quarta-feira)
“Existe um suprimento sem fim de homens brancos, mas sempre houve um número limitado de seres humanos”
Old Lodge Skins.
1969. O set do asilo estava pronto para a cena . William Hickey iria chegar às filmagens em algumas horas. Harry Stradling Jr. faz os últimos ajustes de câmera. O barulho vindo de um dos camarins era quase insuportável. Mesmo com a porta fechada era possível ouvir o grito desesperado e quase rouco de Dustin Hoffman. Depois de quase uma hora, o ator abre a porta e dá o sinal para Dick Smith iniciar o processo de maquiagem. Com a voz destruída e “envelhecida”, o personagem Jack Crabb ressurgia no set, só que agora com a idade de 121 anos.
A Nova Hollywood entra na década de 1970 com uma obra vigorosa de Arthur Penn. O pequeno grande homem é um filme único e particular. Existe ali um universo temático indefinido entre o drama, aventura ou comédia.
Único também é o seu ” herói”. Jack Crabb, que ao contar suas desventuras e infortúnios no velho oeste americano, se retrata como filho de colonos dizimados por índios Pawnee, depois filho adotivo de pastor e devoto religioso, depois um temido pistoleiro, para logo em seguida virar membro de uma tribo de Apaches. No fim ele passeia por vários tipos humanos, mas continua sendo uma entidade indefinida. Um amálgama de vários personagens em um. A ironia é que no filme ele não é um herói clássico, daqueles em que é o centro motor da trama. Mas é uma testemunha perplexa da esquizofrenia e caos de uma parte da história americana.
O filme não hesita em refletir na própria trama esse caldeirão de personalidades. Em um momento consegue desenvolver situações tão hilárias quanto uma comédia rasgada de Blake Edwards (a cena do encontro com Wild Bill Hickok num saloon) e em outro momento pode ser brutal na mesma medida (o massacre dos apaches).
Mesmo flutuando de forma imprevisível por vários gêneros, o espectador acompanha de forma empática a aflição de Jack Crabb e seu espanto diante das situações surreais do roteiro, e a presença maravilhosa do Chef Dan George, que com sua sabedoria de líder apache, busca dar um sentido em meio às convulsões sociais e traumas provocados pelo eterno embate entre homem branco e índio, entre o opressor e oprimido, entre colonizador e colonizado.
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