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Críticas

Os Melhores Anos de Uma Vida

Uma paixão não envelhece. O reencontro de “um homem e uma mulher” 50 anos depois.

Por Luiz Joaquim | 24.06.2021 (quinta-feira)

Há algo indizível na paixão de um homem por uma mulher. Indizível não por ser proibitivo, mas por ser estéril em sua tentativa de traduzi-la com palavras. Domingo Oliveira, esperto que era, já perguntava nos 1960s, por ocasião da primeira vez que Paulo punha os olhos sobre Maria Alice, em Todas as mulheres do mundo: “O quê que uns olhos têm que outros não têm? O quê que um sorriso tem que outros não têm?”. Domingos sabia que perguntas cabem melhor aqui do que respostas. 

Entretanto, algumas criações artísticas são boas em dar conta de nos apresentar um rascunho do que há de avassalador e marcante para toda uma vida nisso de um homem se apaixonar por uma mulher. Hoje chega aos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Porto Alegre, Barueri, Ribeirão Preto, Campinas e Santos o filme Os melhores anos de uma vida (Le Plus Belles Années d’une Vie, Fra., 2019), pelo qual Claude Lelouche resgata, mais de 50 depois, dois de seus personagens mais apaixonantes e apaixonados: Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant) e Anne Gauthier (Anouk Aimée). 

Donos de dois dos rostos mais agradáveis que o cinema já nos deu o prazer de olhar, Trintignant e Aimée reencarnam, agora aos 89 e 87 anos de idade, respectivamente, o casal que comoveu e inspirou o amor em toda uma geração, embalada pela inconfundível trilha sonora composta por Francis Lai.

Nesse sentido, o demorado plano, em close, sobre o rosto envelhecido de Jean-Louis na abertura de Os melhores anos… é, de cara, tocante e eloquente quanto aos efeitos do tempo. E não falamos apenas no que há de duro quanto à perda do frescor da juventude sobre um homem lindo e sedutor, mas também nas limitações do discernimento das coisas, uma vez que, na tal sequência, o personagem acompanha uma sessão de exercícios para a memória, que acontece numa luxuosa casa de repouso para idosos, onde ele vive. 

O jovem charmoso, senhor Trintignant

Com suas lembranças indo e vindo, é o seu filho Antoine (Antoine Sire) que decide procurar Anne, o maior amor de Jean-Louis, e pedir-lhe que visite o seu pai para reavivar sua memória. Como apelo, Antoine tenta convencer Anne revelando: “Você é a melhor lembrança da vida dele”.  

Por esse mote, Lelouche cria assim uma deliciosa circunstância em que Anne e Jean-Louis irão se encontrar “pela primeira vez” novamente, já que ele não a reconhece. A beleza aqui é que este jovem senhor se apaixona mais uma vez por essa estranha senhora e pelos mesmos motivos do passado. Para isso não há explicações, como nos alertou Domingos Oliveira. Um gesto com a mão no cabelo já é suficiente para desequilibrar um homem apaixonado. 

Atenção para a sedutora circunstância criada por Lelouche, com um diálogo afiado, em que o velho galanteador Jean-Louis volta a ativa diante da beleza da viúva Anne: “Por que as viúvas são tão lindas?”, ou ainda: “Por que você parece mais jovem do que eu?”, “Porque eu uso mais maquiagem”, ela diz. Para ele responder: “Não. Porque você é mais gentil”. 

Anouk Aimée, sempre deslumbrante

Bons diálogos não são nada sem bons atores. E Lelouche tinha a mão dois deuses para trabalhar. O resultado é hipnótico, como se estivéssemos vendo realmente o nascer de uma paixão entre dois quase nonagenários.

Além dos diálogos próprios de gente madura (Lelouche hoje está prestes a completar 83 anos), Os melhores anos… respeita o tempo dos personagens. O tempo é outro na terceira idade, e o filme apropria-se desse tempo. O ritmo aqui é calmo. Não é lento. Há uma distinção entre calmo e lento. Enquanto o primeiro dá tempo para que apreciemos a sua beleza, o segundo pode ser entediante. E se há algo que esta produção não é, é ser entediante. 

Há ainda a beleza e a altivez da linda senhora Anouk Aimée. Nesse momento vou economizar minhas palavras e deixar o leitor descobrir por si só, vendo o filme, sobre o que gostaríamos de dizer a respeito.  

Sua personagem traz uma das reflexões mais interessantes, particularmente para os homens, a respeito da nova experiência com o seu antigo amor. Anne diz, de modo confessional para a câmera, que, no passado, gostava da masculinidade de Jean-Louis mas, agora, ela era o homem.  

Masculinidade. O que seria isso, mulheres? Bom, isso é outro papo.

P.S.: Dedico essa crítica à minha Anne, que se chama Ana. 

 

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