Entrevista: Celso Marconi (abril.1960)
Celso Marconi: O modo como encaramos o cinema não é mais do que uma consequência de como encaramos a vida
Por Luiz Joaquim | 18.07.2021 (domingo)
Em abril de 1960, o jornalista Celso Marconi tinha 29 anos de idade. Seis anos antes, havia começado a publicar críticas de cinema nos jornais locais além de promover ações cineclubistas e produzir cursos de cinema com o inseparável amigo Jomard Muniz de Britto. Naquele 1960, Celso trabalhava para o Diário de Pernambuco (DP) e era responsável por “caçar” celebridades que aportavam ou aterrissavam no Recife para realizar belas entrevistas. Celso passou, também em 1960, a chefiar o recém-inaugurado arquivo de fotografia do jornal, então criado por Fernando Chateaubriand (filho do Assis). Além disso, Celso também integrou a diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco. Foi nesse agitado 1960 que o colega Fernando Spencer, crítico cinematográfico titular do DP, resolveu convidá-lo para a entrevista que foi publicada no Terceiro caderno, a qual resgatamos aqui.
Publicada no domingo 24 de abril, a entrevista foi resultado da conversa entre os dois jornalistas pernambucanos sobre o cinema nacional e sobre aquilo que se fazia de melhor no cinema mundial. Não apenas objetivamente, de forma matemática, industrial, mas também em como o cinema podia afetar as pessoas e o porquê de afetá-las. Falavam também daquilo de bom que o cinema brasileiro vinha fazendo (até abril de 1960) e o que ele poderia alcançar; além de projetar a importância de um cineclube livre de amarras, para o Recife, naquele momento. E a respeito do futuro do cinema? O que poderia ser dito diante de uma ameaça contemporânea: a televisão?
Esta bela e despretensiosa entrevista inaugurou uma série de conversas que Spencer viria a fazer com especialistas e publicá-las em sua página dominical, dedicada ao cinema.
Aproveite.
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Por Fernando Spencer, publicado originalmente no Terceiro caderno do Diário de Pernambuco, em 24 de abril de 1960 (Domingo)
– Entrevista da semana –
“Cinema americano: Agressividade formal”
Iniciamos, a partir de hoje, uma série de entrevista com críticos (militantes ou não na imprensa local) e estudiosos da Arte Cinematográfica.
Na oportunidade, elas servirão também para levantar o problema da fundação de um cine-clube no Recife, cujo movimento, embora em surdina, começa a se esboçar entre os amigos do bom cinema.
Escolhemos, para abrir a nova seção desta página, o jornalista Celso Marconi, estudioso dos problemas do cinema e que militou por muito tempo na crônica cinematográfica do Recife, através da extinta “Folha da Manhã”.
Também foi um dos fundadores do “Cine-Clube Charles Chaplin”, desaparecido pelos motivos que ele mesmo abaixo explica.
Marconi é crítico de sólida cultura cinematográfica, progressista de fina sensibilidade artística e estudioso da estética cinematográfica. E aqui estão portanto, as respostas do jornalista Celso Marconi em atenção às nossas perguntas:
P – Como deve ser encarado o cinema?
R – O modo como encaramos o cinema não é mais do que uma consequência de como encaramos a vida. Há os que afóra (sic) o seu “ganha pão” julgam tudo mais com simples divertimento, de função imediata e incosequênte. Outros vêem na maior parte das atividades possibilidades de enriquecimento cultural, principalmente nos “divertimentos”. Dizer quem está certo não tem sentido, numa entrevista puramente cinematográfica.
P – Quais os fatos mais importantes ocorridos nesses últimos 20 anos?
R – Tenho a impressão que, para o estético fílmico, nada de muito importante ocorreu desde 1940 até hoje. A “tela larga” e o som estereofônico não passaram, ainda, de inovações comerciais. Sociologicamente, porém, temos como importante fato de terem surgido cinematografias nacionais de vários países antes, simplesmente, coloniais.
P – Quais os elementos necessários para a realização de um bom filme?
R – Uma boa equipe técnica e um diretor que sinta profundamente, a realidade artística de uma história. Esta poderá ser qualquer uma, pois o que caracteriza o cinema (a Arte) é a forma expressando, artisticamente, um conteúdo.
P – Acha que a televisão signifique a morte do Cinema?
R – A “TV” é a “bossa nova” do cinema, mesmo que neguem isso os realizadores de televisão. No máximo poderia ser, em prazo muito longo, a morte dos exibidores.
P – No momento, qual o melhor cinema?
R – Não há melhor cinema. Há sim, características próprias de determinadas cinematografias e melhores filmes.
P – Que diz sobre o cinema americano e o europeu?
R – Cinema Americano: agressividade formal. Cinema Europeu: a forma se subordina ao conteúdo, limitando-se as suas próprias funções de “revelador”.
P – Sobre o cinema nacional acha que poderíamos atingir o nível técnico-artístico de outros países mais adiantados?
R – Poderíamos, não: estamos atingindo. Basta citar filmes como “Rio 40 Graus”, “Floradas na Serra”, “O Canto do Mar”, “Agulha no Palheiro”. Se mais não conseguimos até agora é devido a que o cinema é uma das super-estruturas mais dependentes da infra-estrutura e, como o nosso país somente agora está realizando o seu processo de liberação nacional, é lógico que o cinema nacional ainda não tenha conseguido a sua fase de industrialização.
P – Cite dez dos mais importantes filmes que já viu.
R – Sem pensar muito diria que são grandes filmes os seguintes: “Luzes da Cidade”, “Tempos Modernos”, “O Encouraçado Potemkin”, “Ladrões de Bicicletas”, “Roma às 11 horas”, “A Última Felicidade”, “O Capote”, “Os Brutos Também Amam”, “Noites de Circo”, “A Um Passo da Eternidade”, “Matar ou Morrer”, “Milagre em Milão”, etc.
P – Que acha da fundação de um cine-clube no Recife?
R – Acho que temos condições, principalmente agora, para mantermos em funcionamento um bom cine-clube. O tempo em que a polícia fechava cine-clubes, como aconteceu com o “Cine-Clube Charles Chaplin”, já foi superado. Podemos e devemos renovar o movimento de cultura cinematográfica nesta cidade. Reaglutinar os elementos que de há muito olham o cinema como arte, os novos partidários da sétima-arte, os simplesmente apreciadores de bons filmes, e realizar um movimento no sentido de, pelo menos, melhorar a programação das casas exibidoras do Recife.
Não é preciso perder muito tempo em projetos. O principal é que todos participem desse cine-clube, que não haja um cine-clube católico, outro oficial, outro esquerdista. Com a união de esforços haveremos de vencer as dificuldades financeiras, os empecilhos que, por acaso, surjam para conseguirmos bons programas.
O cine-clube poderá ter qualquer nome. Necessariamente não precisará de uma sala de exibição própria. Poderemos fazer sessões num clube social, num auditório de repartição pública, num cinema comercial, num colégio. O que caracterizará o cine-clube será o interesse do grupo que o comandará em divulgar o cinema artístico, em criar, principalmente, nos jovens uma consciencialização do fato fílmico.
O novo cine-clube deverá ser muito mais uma correte de pensamento em favor do cinema, partindo de um núcleo, do que um ponto de encontro “social” para as noites de terças-feiras.
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