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Críticas

First Cow: A Primeira Vaca da América

De vez em quando é bom falar dos fracassados

Por Luiz Joaquim | 11.07.2021 (domingo)

Já parou para pensar que, historicamente, no cinema, o imaginário sugerido pela grande maioria dos westerns norte-americanos é permeado pelos bandidos valentões e pelos heróis destemidos, em constante confronto um com o outro, sendo o indígena uma vítima ou um parceiro, ora do lado do bem, ora do lado do mal? Como coadjuvante encontramos também, facilmente, uma espécie de bobo, para emprestar leveza à violência comum ao gênero cinematográfico por excelência da terra sem lei. 

Pergunta: não havia homens gentis? Com sonhos pequenos mas notáveis. Não existia o desejo pelo trabalho levado à sério, com amor ao ofício. E amizade sincera, é coisa apenas do contemporâneo? Sim, deve ter havido, e mesmo em alguns poucos westerns tradicionais conseguiremos encontrar tal demonstração, mas como ponto secundário. 

Mas acontece que em First cow: A primeira vaca da América (First Cow, 2019, EUA), de Kelly Reichardt – disponível no Youtube e no Mubi, entre outras plataformas – esse é o ponto central, quando temos acesso a dois personagens cativantes não apenas pelos predicados acima, mas também pelo acesso a um cenário muito próximo daquilo que deveriam ser as limitações de lugares remotos como um entreposto comercial na região do estado de Oregon, ali acima da Califórnia, nos EUA, nos anos 1820. 

Em seu filme, Reichardt emoldura a nascente, crescente e inquebrável amizade de Cookie (John Magaro) e King-Lu (Orion Lee) com vales, florestas e muita lama e pobreza, estando a profundidade de campo, na fotografia de Christopher Blauvelt, em estado de graça. Nesse ambiente, Cookie, um cara delicado e sensível aos prazeres da natureza e da gastronomia, se encontra totalmente deslocado entre os brucutus que ele acompanha numa expedição para a qual foi contratado como cozinheiro. 

Sobre a inquebrável amizade de King-Lu (e) e Cookie

Pelo caminho do cozinheiro Cookie surge o fugitivo King-Lu, chinês que rodou o mundo em busca de um empreendimento que desse certo, mas que agora estava sob a mira de alemães com quem se desentendeu. 

Pela generosidade de Cookie num encontro fortuito, King-Lu é salvo da fome e o acaso, tempos depois, os reúne novamente para dar partida a uma real amizade e ao perigoso empreendimento que vai envolver a única vaca daquele região, de propriedade do comerciante-chefe da localidade (Toby Jones). É com o leite da mimosa, roubado pela dupla durante a madrugada, que Cookie prepara bolinhos fritos deliciosos e King-Lu os transforma num empreendimento de sucesso. 

Nesse sentido, três aspectos saltitam belamente representados em First Cow: o reforço da ideia da América como a terra da oportunidade; a voz aos desassistidos – incluindo aí os indígenas em cena, com diálogos em seus idiomas originais -; e a delicadeza, com a elegância dela derivada. 

Neste último item, muitos créditos para a performance suave e segura da dupla protagonista, com destaque para Magaro, que transmite com seus olhos uma absoluta verdade a respeito da generosidade e da gentileza de que é feito seu frágil Cookie.

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