Os 1970s que Amamos (#21)
O Alvorecer Branco (The White Dawn, 1974)
Por André Pinto | 15.07.2021 (quinta-feira)
Poucos falam de um diretor cuja filmografia considero bastante expressiva nos anos 1970: Philip Kaufman. Seu talento não se resumia em apenas escrever roteiros. Tinha várias ideias e projetos na cabeça. Uma delas era de bolar uma aventura que lembrasse as antigas matinês de fim de semana. Ajudou George Lucas a criar o célebre arqueólogo Indiana Jones. Passou boa parte dos anos 1970 tentando desenvolver uma trama para reativar a franquia Star trek, mas os estúdios só passaram a se interessar em SciFi a partir de Star wars. Nesse meio tempo, Kaufman dirigia…
Sua persistência em fazer um filme rodado no Ártico usando toda uma tribo Inuit, sem nenhuma experiência de atuação, foi considerada total loucura. O resultado foi uma obra que é considerada uma das grandes pérolas dos anos 1970.
A trama: No ano de 1896 um grupo de baleeiros naufragam nas geleiras do Ártico. São salvos é adotados por uma tribo de esquimós. O embate entre o homem branco e a cultura dos nativos é o mote da história. Dagget (Timothy Bottoms) é o mais jovem do grupo. No tempo em que passa com os Inuit, ele é o que mais se entrosa com os costumes. Passa a fazer o papel do “índio branco” no estilo Pequeno grande homem. Portagee (Louis Gossett Jr) é o marujo negro que se encanta com a rotina e as companhias femininas que o cercam, e encontra um conforto e hospitalidade que jamais sentiu no mundo racista do ocidente. Billy (Warren Oates) é o truculento e volátil membro do trio. É o personagem que serve de gatilho para a aventura começar, e ao mesmo tempo é o antagonista que tenta impor à tribo seus vícios e mazelas de homem branco. Boa parte dos conflitos que irão levar ao trágico e brutal final são gerados por ele. Oates é o ator perfeito para o papel.
A obra é impactante. A trama segue seca e naturalista. Em vários momentos não sabemos se estamos assistindo a uma ficção ou documento etnográfico do povo esquimó. O ‘detalhismo’ dos costumes é impressionante. É o tipo de filme que jamais seria feito hoje em dia. As caçadas atrás de comida são retratadas de forma crua e gráfica: focas e leões marinhos são mortos e trucidados de verdade. Um pássaro vira cabo de guerra e é desmembrado por membros da tribo.
O filme faz questão de manter a incomunicabilidade entre os baleeiros e a tribo. Não existe aqui um personagem que sirva de intérprete entre mundos tão distintos.
O texto é carregado de ironia. Para os baleeiros, os esquimós são feiticeiros ou demônios. Para os esquimós, os brancos são cães selvagens. De humanos adotados, os baleeiros passam a ser entidades que amaldiçoam o povoado.
Próximo do fim, uma festa ritualística dentro de um imenso iglu revela uma das passagens mais inesquecíveis e fascinantes do filme.
No meio de uma roda, duas mulheres se posicionam uma diante da outra. Elas tomam fôlego e se tocam nos lábios. Uma começa a soprar para dentro da boca da outra de forma ritmada, criando um som parecido com o de uma gaita de fole. A brincadeira começa: os grupos passam a formar casais e cada um corre para outros cômodos para terem relações sexuais. No meio da confusão, as duas garotas continuam a fazer o ritual sonoro, que fica cada vez mais hipnótico e ao mesmo tempo insuportável. É um momento surreal único na história do cinema, de uma estranheza rara para um filme de estúdio.
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