Carta aberta de cineasta afegã Sahraa Karimi
Diretora-geral da Afghan Film faz um apelo ao mundo, diante do atual terror que vive o Afeganistão.
Por Luiz Joaquim | 18.08.2021 (quarta-feira)
“A todas as comunidades de cinema do mundo e a quem ama filmes e cinema,
Meu nome é Sahraa Karimi, diretora de cinema e atual diretora-geral da Afghan Film, a única empresa cinematográfica estatal no Afeganistão, fundada em 1968.
Escrevo a você com o coração partido e uma profunda esperança de que possa se juntar a mim na proteção de meu belo povo, especialmente os cineastas do Talibã.
Nas últimas semanas, o Talibã conquistou o controle de muitas provÃncias. Eles massacraram nosso povo, sequestraram muitas crianças, venderam meninas como noivas para seus homens, assassinaram uma mulher por seu traje, torturaram e assassinaram um de nossos amados comediantes, assassinaram um dos nossos poetas e historiadores, assassinaram o chefe da Cultura e dos meios de comunicação do governo, têm assassinado pessoas afiliadas ao governo, enforcaram publicamente alguns dos nossos homens, deslocaram centenas de milhares de famÃlias.
As famÃlias seguem acampadas em Cabul após fugirem dessas provÃncias e estão em condições insalubres. Há saques nos acampamentos, e bebês estão morrendo por não terem leite. É uma crise humanitária, mas o mundo está em silêncio. Acostumamo-nos a este silêncio, mas sabemos que não é justo. Sabemos que essa decisão de abandonar nosso povo está errada, e que essa retirada precipitada das tropas americanas é uma traição ao nosso povo e a tudo o que fizemos quando os afegãos venceram a Guerra Fria para o Ocidente.
Nosso povo foi esquecido. Agora após vinte anos de ganhos imensos para nosso paÃs, especialmente para nossas gerações mais jovens, tudo pode ser perdido novamente neste abandono.
Precisamos de sua voz. A mÃdia, os governos e as organizações humanitárias mundiais estão convenientemente em silêncio, como se o tal ‘acordo de paz’ com o Talibã fosse legÃtimo. Nunca foi legÃtimo. Reconhecê-lo deu-lhes confiança para voltar ao poder. O Talibã tem brutalizado nosso povo durante todo o processo das negociações. Tudo o que trabalhei muito para construir como cineasta em meu paÃs corre o risco de acabar.
Se o Talibã assumir o controle, eles vão banir toda a arte. Eu e outros cineastas podemos ser os próximos em sua lista de alvos. Eles vão tirar os direitos das mulheres: seremos empurrados para as sombras de nossas casas e de nossas vozes, e nossa expressão será abafada no silêncio. Quando o Talibã esteve antes no poder, nenhuma menina frequentava escolas. Desde que o grupo deixara o controle do paÃs, mais de 9 milhões de meninas afegãs se matricularam na escola. Isso é incrÃvel. Herat, a terceira maior cidade que acabou de ser dominada pelo Talibã, tinha quase 50% de mulheres em sua universidade. São ganhos incrÃveis que o mundo mal conhece. Nessas poucas semanas, porém, o Talibã destruiu muitas escolas, e 2 milhões de meninas foram forçadas a deixar a escola novamente.
Não entendo este mundo. Não entendo o silêncio (do mundo). Vou ficar e lutar pelo meu paÃs, mas não posso fazer isso sozinha. Preciso de aliados como você. Ajude-nos a fazer com que o mundo se preocupe com o que está acontecendo conosco.
Ajude-nos informando aos meios de comunicação mais importantes de seus paÃses o que está acontecendo aqui no Afeganistão. Sejam nossas vozes fora do Afeganistão. Se o Talibã assumir o controle de Cabul, talvez não tenhamos acesso à internet ou a qualquer ferramenta de comunicação. Por favor, envolva seus cineastas e artistas para nos apoiar e ser nossa voz. Esta guerra não é uma guerra civil. É uma guerra por procuração, é uma guerra imposta. Por favor, compartilhe este fato com sua mÃdia e escreva sobre nós em suas redes sociais. O mundo não deve virar as costas para nós.
Precisamos do seu apoio e da sua voz em nome das mulheres, crianças, artistas e cineastas afegãos. Esse apoio seria a maior ajuda de que precisamos agora.
Por favor, ajude-nos a fazer com que este mundo não abandone o Afeganistão. Por favor, ajude-nos antes que o Talibã assuma o controle de Cabul. Temos tão pouco tempo, talvez dias”.
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