A Última Floresta
O mundo encantado e ameaçado dos Yanomami
Por Luiz Joaquim | 05.09.2021 (domingo)
O que há na imagem e o que há da imagem em A última floresta (Bra., 2021)?
O filme de Luís Bolognesi, que pode ser visto em salas de cinema a partir desta quinta-feira (9), acompanha um momento na vida do Xamã Davi Kopenawa, cuja tribo Yanomami vive numa isolada floresta ao norte do Brasil e ao sul da Venezuela. Ao redor de Davi, personagens de seu povo, ali instalado há cerca de mil anos, se entrecruzam em seus dramas cotidianos e nos dão uma pequena dimensão da riqueza e das dificuldades daquela cultura. Este é o principal teor que há na imagem.
Da imagem que vemos no filme, temos um trabalho arrebatador do fotógrafo Pedro J. Marquéz (que também fotografou Ex-pajé, de Bolognesi) captando aqui as sutilezas que a luz naquele universo (principalmente a noturna, pelo fogo ou por lanternas – ou com ambos) pode gerar como sugestiva composição poética para a vida dos Yanomami.
A poesia cinematográfica registrada por Marquéz e tão bem desenhada na narrativa criada por Bolognesi, em roteiro coassinado com Davi, não esconde, porém, o que há de urgente também naquele universo. Na verdade, faz questão de apresentá-lo.
Já de partida, A última floresta nos avisa em seus letreiros: Os Yanomami estão ali desde 500 anos antes da “descoberta” do Brasil. Aquele pedaço de chão, que lhes pertence, inclusive com reconhecimento do governo brasileiro desde 1992, voltou a sofrer em 2019 novas invasões de milhares de garimpeiros, que contaminam os rios com mercúrio e também os indígenas com a Covid-19 e outras doenças. Tudo sendo feito com a complacência do atual governo federal.
É suscinto e objetivo o registro feito por Bolognesi, no filme, a respeito dessas pontuações políticas. Mas a política está também na sabedora da fala de Davi, quando aconselha um jovem Yanomami a não sucumbir às tentações da cidade grande (no caso, Boa Vista, Roraima); e está ainda na história oralizada por Davi sobre seus ancestrais: Omama e Thuëyoma.
Na verdade, é um deleite a parte acompanhar a dramatização feita pelos Yanomami para ilustrar a história da origem de seu povo, ou seja, como os irmãos Omama e Yoasi, que foram os primeiros habitantes daquela floresta – conforme diz a lenda indígena – viriam a romper relações em função do amor do primeiro por Thuëyoma: o peixe que se deixou pescar por Omama na forma de uma mulher para dar início à humanidade.
Há ainda na imagem de A última floresta, o drama da indígena que perde a paz quando, num sonho, vê o marido, tido como desaparecido, ser levado para o fundo das águas por Yawarioma, uma entidade Yanomami.
O que parece muito elaborado (e é!) da imagem, está também na forma como Bolognesi e seu montador Rodrigo Farias fundem essas situações. Escalonadas como estão as situações, fica claro ao espectador o senso de comunidade em harmonia, ainda que com suas vicissitudes, naquele povo. Um senso que está acima de qualquer ameaça branca, e ela é enorme. Alias, é por conta desse senso que os Yanomami ainda resistem, com Davi encarnando uma liderança nata ali.
Se um filme deve ser elogiado por representar uma cultura desconhecida com cuidado e respeito, e ainda funcionando como um alerta para um mundo sobre a fragilidade daquela comunidade, então A última floresta merece bastantes elogios.
Não à toa, o filme de Bolognesi levou o prêmio do público de melhor filme na mostra Panorama da edição 2021 do engajado Festival de Berlim, sendo A última floresta o único representante do Brasil ali.
A trilha de sucesso pelos festivais ao redor do mundo seguiu no Seoul Eco Film Festival, na Coreia do Sul; no DocsBarcelona – Festival Internacional de Documentários; no Wairoa Maori Film Festival, na Nova Zelândia, e no Biografilm Festival, na Itália, em junho; além de ter sido exibido nos festivais Visions du Réel, na Suíça, e no Hot Docs, no Canadá.
No Brasil, teve sessões no Festival Pachamama, em maio e junho, no Festival Internacional Imagem dos Povos e na Mostra Ecofalante de Cinema, durante a Semana do Meio Ambiente. A primeira sessão no Brasil ocorreu no 26º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários 2021.
Agora só falta você ver.
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