45ª Mostra SP (2021) – Coisas Verdadeiras
Retrato de um ser-humano, complexo como só ele consegue ser.
Por Luiz Joaquim | 26.10.2021 (terça-feira)
Entre as centenas de filmes ofertados pela 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é possível fazer interconexões estéticas e/ou temáticas da mais variadas possíveis. Resolvemos destacar aqui três títulos forte – cada um a seu modo – protagonizado por mulheres em seu limite, e tendo o sexo como um elemento preponderante em cada trama. São eles Má sorte no sexo ou pornô amador; Irmandade e Coisas verdadeiras.
Importante dizer que, apesar dessa preponderância, os três filmes estão menos interessados no sexo, e mais curiosos sobre o seu efeito nessas mulheres, aqui mostradas como originalmente frágeis, mas fortes na hora certa para a decisão.
Coisas verdadeiras (True Things, GB, 2021), de Harry Wootliff
O que há de mais intrigante, e realmente envolvente, nesta adaptação escrita e dirigida por Wootliff para o homônima livro de Deborah Kay Davies, é a complexidade de sua protagonista e como a atriz britânica Ruth Wilson abraçou tal personagem, dando as nuances necessárias para que não apenas acreditemos nela, mas para que gostemos, sigamos e, num certo sentido, possamos entendê-la em suas limitações.
Talvez a chave aqui tenha sido apresentar Kate (personagem de Wilson) de maneira muito verdadeira, como um ser carente, emocionalmente frágil, como qualquer um pode ser, e não ressaltando apenas os problemas próprios de uma mulher apaixonada pelo cara errado.
O cara errado nem nome tem. É chamado em Coisas verdadeiras por Blond (ou Loiro). Vivido pelo ator Tom Burke – aqui com os cabelos descoloridos –, Blond conhece Kate em seu trabalho. Ela, uma secretária burocrata numa agência de assistência social, ele, um ex-presidiário charmoso que a convida para sair.
Burke aqui abusa de seu charme – não à toa, o ator esteve no oscarizado Mank, interpretando ninguém menos que Orson Welles -, e o seu ‘Loiro’ faz rapidamente as coisas acontecerem na pacata vida da solitária Kate.
A questão é: ao mesmo tempo que o desregrado Blond abre um novo mundo libertário, aparentemente nunca experimentando (mas desejado!) por Kate, a vida social da moça começa a arruinar em várias direções.
O que há, portanto, de complexo aqui, é o que há de complexo na vida, quando ela (a vida) cobra alto, inclusive, pela liberdade de você ser quem você deseja ser.
E o roteiro de Wootliff é cuidadoso o suficiente para deixas as arestas necessárias abertas, de modo que o espectador não julgue a pobre Kate – mesmo estando claro que o caminho que ela toma não é exatamente o saudável nessa relação com Blond.
O que iremos, espectadores, fazer é apenas acompanhá-la, e gostar dela. Coisa que, por si só, já é uma vitória gigantesca em termos de dramatúrgica e de performance. O filme exibiu nos festivais de Veneza, Toronto e Londres.
Leia também sobre:
Má sorte no sexo ou pornô amador (Babardeala cu Bucluc Sal Porno, Rom./ Rep. Tcheca/Luxemb./Croa., 2021), de Radu Jude. (clique aqui)
Irmandade (Sestri, Rep. Tcheca/Maced./Kos, 2021), de Dina Duma (clique aqui)
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