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Festivais

45ª MostraSP (2021) – Má Sorte no Sexo…

Uma mulher contra o impossível, na cadência do humor romeno

Por Luiz Joaquim | 26.10.2021 (terça-feira)

Entre as centenas de filmes ofertados pela 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é possível fazer interconexões estéticas e/ou temáticas da mais variadas possíveis. Resolvemos destacar aqui três títulos forte – cada um a seu modo – protagonizado por mulheres em seu limite, e tendo o sexo como um elemento preponderante em cada trama. São eles Má sorte no sexo ou pornô amadorIrmandade e Coisas verdadeiras.

Importante dizer que, apesar dessa preponderância, os três filmes estão menos interessados no sexo, e mais curiosos sobre o seu efeito nessas mulheres, aqui mostradas como originalmente frágeis, mas fortes na hora certa para a decisão.

Má sorte no sexo ou pornô amador (Babardeala cu Bucluc Sal Porno, Rom./ Rep. Tcheca/Luxemb./Croa., 2021), de Radu Jude.

Este Urso de Ouro em Berlim (2021) trará alegria aos seus espectadores, mas, claro, não descolada de observações intensas sobre o mundo em que vivemos. Os romenos já mostraram que são craques na aplicação dessa receita. Não foi diferente, por exemplo, com o premiado em Cannes, em 2006, A leste de Bucareste, de Corneliu Porumboiu, com seu humor ácido, revisitando a história recente da redemocratização de seu país.

Má sorte… não esquece o passado – nem o recente, nem o mais distante -, entretanto, o olhar do diretor Radu Jude está interessado na estupidez dos dias de hoje em sua sociedade. No caso, o filme é tão contemporâneo que surge como um dos primeiros pelo qual acompanhamos a dramaturgia de seus atores imersos num mundo onde a máscara usada como precaução contra a contaminação da covid-19 é algo constante e corriqueiro, tal qual a entendemos em outubro de 2021.

O ponto de partida dessa aventura erótico-social é a gravação, em um celular, de uma relação sexual da professora de história, Emi (Katia Pascariu), com o seu marido, que vai parar na internet e, logicamente, nos smartphones de seus alunos.

Dividido em quatro partes e com três finais distintos, Radu Jude, consegue criar algo intrigantemente inesperado e inesperadamente coerente para nos levar a um lugar de reconfiguração de valores. E, vale dizer, sempre deixando um sorriso ali, no canto de nossa boca.

A primeira parte, um prólogo, não é para criancinhas. Há cenas explícitas de sexo com todo o desmantelo que poderia haver pela perspectiva de uma sôfrega e tarada gravação de uma transa por um smartphone. É esse material que indicará os caminhos das outras três partes de Má sorte…

Na primeira delas, sabemos das consequências do vídeo vazado pelo o que o marido de Eli lhe conta nos telefonas que faz à esposa. Ela está num percurso a pé, silencioso, que faz pelas ruas de Bucareste, parecendo não ter destino certo (mas tem). A artimanha cinematográfica é perfeita. Com ela, Radu Jude simplesmente deixa aberto para a sua câmeras (e para nós) os descalabros urbanos (sociais e visuais) da cidade que, de tão bizarros, serão também cômicos;  com um interessante destaque para a insistência de carros que ocupam calçadas e faixas de pedestre.

Num certo sentido, podemos lembrar, nessa primeira parte do filme romeno do estupor de Elia Suleiman no seu O paraíso deve ser aqui, também premiado em Cannes 2019. A diferença é que em Má sorte… Suleiman somos nós e o descalabro social soa como algo não dramatizado e sim real, de fácil identificação, inclusive, com o que costumamos dizer ser “coisa de brasileiro”.

Na parte 2 do filme, temos uma coletânea de imagens e ‘memes’ da internet, em seu formato e resolução original, com informação que não são necessariamente conexas, nem verdadeiras, mas que juntas resultam num caleidoscópio resumitivo e tradutor daquilo do que seria a sociedade romena hoje (e não apenas a romena) – se tais imagens nos representassem de forma absoluta.

Todos os detalhes são criteriosamente observados pelos juízes da felliniana reunião escolar.

Por fim, na última parte, reencontramos a professora Emi no pátio da tradicionalista escola onde leciona para passar por um julgamento surrealista. Organizado pela diretora do estabelecimento, a reunião é com colegas professores e pais de alunos. Diante de uma muito interessada observação sobre o fatídico vídeo vazado, todos irão dar seu veredicto sobre a permanência ou não da professora naquela instituição.

Radu Jude parece ter se divertido descaradamente, principalmente na criação dos personagens que compõem essa reunião digna de um Fellini, levando o grupo à discussões diversas mas, não fazendo ninguém chegar a algum lugar que não seja o do conservadorismo. Só num dos três finais alternativos, propostos pelo diretor, temos uma espécie de alivio, numa vingança feita por Emi para nenhum super-heroína da DC Comics botar defeito.

Leia também sobre:

Coisas verdadeiras (True Things, GB, 2021), de Harry Wootliff (clique aqui)

Irmandade (Sestri, Rep. Tcheca/Maced./Kos, 2021), de Dina Duma (clique aqui)

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