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Críticas

Duna (2021)

Abacaxi cinematográfico bem descascado, mas com sabor indefinido

Por Luiz Joaquim | 21.10.2021 (quinta-feira)

Na esperada versão do diretor canadense Denis Villeneuve para Duna (EUA/Can., 2021), adaptado do romance homônimo que Frank Herbert concebeu em 1965, o recado sobre a validade de ver esse filme numa bem equipada sala de cinema é dado logo nos primeiros segundos da projeção.

Ainda na inicial apresentação do ambiente da história, que se passa num distópico século 100, o espectador irá ouvir um som surdo, grave e alto, disparado pelos subwoofers do cinema, espalhando-se pelo ambiente do auditório e devendo fazer o seu corpo vibrar.

O recado é bom pois resolve dois aspectos com um único sinal (sonoro). O primeiro aspecto, como dissemos, aponta para o fato de que é muito provável que aquele que resolver ver o filme em casa não receberá a experiência sonora necessária que Duna propõe em sua totalidade para imersão no contexto do enredo. O segundo aspecto está entrelaçado ao primeiro, uma vez que o nosso herói Paul Atreides (Timothée Chalamet) passa o filme aprimorando um poder sobrenatural pelo qual, através de o som, ou seja, por meio da emissão de uma onda sonora específica, ele domina os mais fracos, obrigando-os a obedecer a suas ordens. Em outras palavras, o som também assume um protagonismo aqui.

Ainda sobre o que se escuta em Duna, aquilo que ficou tão bem resolvido no trabalho do desenhista de som Theo Green, acabou sendo prejudicado pela excessiva trilha sonora de Hans Zimmer (já indiciado a dez Oscars e vencedor por O rei leão, 1994). Zimmer parece ter entendido que nenhum dos 155 minutos de Duna mereciam ficar sem o acompanhamento de suas composições musicais. O que é uma pena, uma vez que a insistência musical promove uma saturação sobre as imagens. Imagens que, por si só, já garantiriam o efeito desejado.

E, uma vez que estamos no terreno da imagem, vale dizer que ela também não ficou livre dos excessos de maneirismos aqui. O efeito da câmera lenta parece ter sido igualmente abusado no corte final do filme. O resultado é que, lá pelo última quarta parte de Duna, o que vemos já não impacta, e sim distrai.

Duna é um grande empreendimento que a Warner vem tratando com o devido cuidado desde o anúncio de que uma nova adaptação viria ao mundo, vendendo-a como mais fiel ao romance do que aquela produzida por Dino De Laurentiis e dirigida e roteirizada por ninguém menos que David Lynch lá em 1984.

Seguindo Villeneuve, aqui empenhando seu valioso nome por conta de projetos sci-fi de sucesso que já assinou – como A chegada (2016) e Blade Runner 2049 (2017) – temos uma equipe técnica muito feliz em diversos aspectos (a parte os excessos de Zimmer).

Paul e Lady Jessica deixados à própria sorte nos desertos de Arrakis

Nesse circo audiovisual, dá gosto de ver como os figurinistas se divertiram com a imaginação para pensar na indumentária dos seres dos diversos mundos interessados na ‘especiaria’, o tesouro do planeta Arrakis, também conhecido como Duna.

A vestimenta acaba compondo um cenário criativo maior, que inclui a direção de arte, com os designers também se divertindo com a composição das naves espaciais de um futuro tão distante do nosso.

O topcoptero – espécie de helicóptero mas com a mesma lógica dinâmica de voo de uma libélula, é um achado a parte que vai encontrar uma função pragmática no enredo em sua maneira de funcionar, para além do efeito estético.

ADAPTAÇÃO – Tudo bem o tanto de trabalho técnico-criativo bem resolvido aqui, mas… e o que sobrevive, dramaturgicamente, acima disso? Bom, Villeneuve tinha um belo de um catatau para resolver quando assumiu o projeto, assim com Lynch no passado. Sabe-se que o livro de Herbert se tornou num produto cult, que se desdobrou em outros cinco livros lançados ao longo das duas décadas após o lançamento do livro #1, Duna. E, além do filme de Lynch, o universo de Duna já foi explorado por séries e jogos, sem falar de alguns diálogos (“He who control de spice, control de universe” – “Aquele que controlar a especiaria, controla o universo”) que foram parar em algumas músicas techno dos 1990s, como por exemplo Spice (Especiaria), e Fear: The Mindkiller, ambas do britânico Eon (Ian Loveday).

Só pelo livro inicial, com suas mais de 700 páginas, temos um enredo denso e de extremo detalhamento sobre o universo dessa Space Opera que foca muito mais na relação entre os seres do que na tecnologia; na política do poder entre os mundos do que no espetáculo de equipamentos bélicos. As artimanhas sociais e as armas brancas ganham destaque nesse universo futurístico, em que o contato entre os seres, ou os poderes sobrenaturais, são os verdadeiros elementos de força aqui.

Tramas políticas compõem a história criada por Frank Herbert e o Duque Leto (Oscar Isaac, ao centro) é um peão nesse contexto.

De modo que, resumir esse mundo do futuro não é tarefa fácil. Lynch não foi bem sucedido no passado, tornando o seu Duna em algo atravancado, burocrático. Villeneuve teve mais êxito agora, mas, ainda assim, há uma possibilidade de a Warner não conseguir emplacar com facilidade esse projeto de uma nova franquia, exatamente por conta do volume de informações fundamentais que o roteiro de Villeneuve (co-escrito com Eric Roth e Jon Spaihts) tenta condensar.

Um espectador mais distraído – ainda que amparado por um roteiro que segura na sua mão e o leva à história por um caminho mais fácil – pode se perder na hierarquia, traições e fidelidades dos povos que vivem em seus planetas, com todos devendo obediência ao imperador multigalático Shaddam IV.

Mas, para se envolver na trama, é suficiente entender que a ‘especiaria’, que se encontra apenas em Arrakis, é a substância mais valiosa do multiverso, por proporcionar as viagens intergalácticas, dobrando o espaço-tempo. Isto faz de Arrakis um planeta cobiçado que, nos últimos 80 anos, teve a ‘especiaria’ administrada pelos seres Harkonnen, e sob supervisão do Imperador.

Entretanto, agora, o Imperador passa o posto para os Atreides, para infelicidade destes, uma vez que entendem o perigo que envolve terem de se meter no inóspito Arrakis, com seus habituais 60 graus celsius de temperatura e suas infinitas dunas domadas pelo seu povo, os Fremens, e aterrorizada pelos Vermes. Eles são monstros subterrâneos que podem medir até 400 metros de comprimento e devoram tudo que vibra sobre as areias do planeta.

Ferguson como Lady Jessica

Nesse contexto político, com uma armadilha engendrada pelo próprio Imperador contra os Atreides, há o drama pessoal do jovem Paul (Chalamet), filho do Duque Leto (Oscar Isaac, Star Wars: Os últimos Jedi). Ele foi gerado por Lady Jéssica (Rebecca Ferguson) contra a vontade da irmandade a qual pertence, passando para um filho homem poderes – como a habilidade da presciência – que só deveriam pertencer às mulheres geradas pelas integrantes da irmandade. Isso faz de Paul um potencial predestinado a guiar o oprimido povo de Arrakis para uma libertação.

Como na versão de 1984, há no novo filme um elenco estelar, com destaque para Charlotte Rampling com a sua altivez compondo a Reverenda Mãe da irmandade; destaque para Javier Barden como o Fremen Stilgard; e destaque para Stellan Skarsgard como o asqueroso Barão Harkonnen.

A propósito, a apresentação deste vilão é meticulosamente bem desenvolvida aqui, com poucos detalhes sendo plasticamente mostrado ao espectador, até que tenhamos uma ideia, a partir de nossa própria percepção, sobre o gigante disforme que é o barão.

Uma pena que o protagonismo tocado por Timothée Chalamet se apoia majoritariamente nos efeitos de sua beleza natural, enquanto sofremos com as limitações do jovem ator e a sua pouca expressividade.

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