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Críticas

Fortaleza Hotel

Reconhecer o diferente

Por Luiz Joaquim | 25.01.2022 (terça-feira)

André Bazin (1918-1958) dizia que não era suficiente um único filme para que se pudesse vaticinar a genialidade de um realizador. Seria preciso que esse autor nos desse novos trabalhos, de modo que conseguíssemos perceber a autenticidade de sua criação e identifica-lo como, de fato, criativo, não no sentido da inovação, mas sim no da sua habilidade em contar bem uma história pela sintaxe do cinema.

Nesta quinta-feira (27), os cinemas recebem Fortaleza Hotel (Bra., 2022), o segundo longa-metragem do cearense Armando Praça. Um nome mais do que bem-vindo desde o seu debut lançado em 2019 – Greta –, quando surgiu já brilhando em Berlim.

Numa rotação menos introspectiva (só um pouco menos) que no filme anterior, Armando Praça em Fortaleza Hotel reforça o seu talento naquela habilidade apontada por Bazin. Nesse novo trabalho, contempla mais uma vez uma figura invisível, como o fez com o solitário enfermeiro Pedro, vivido magistralmente por Marco Nanini em Greta.

Nossa heroína, ou anti-heroína, como queiram, é a camareira de um hotel simples na capital cearense. Pilar é vivida por Clébia Souza (de O som ao redor) no, talvez, papel de maior destaque, até agora, dessa talentosa atriz que nasceu em Limoeiro (PE).

Com planos de viajar para Irlanda e deixar o Brasil definitivamente para trás, Pilar precisa repensar seu projeto quando descobre que a filha (Larissa Goes) foi vítima de marginais. Seu drama se entrecruza com o da hóspede sul-coreana Shin (Yeong-ran Lee), que veio ao Brasil para velar o corpo do marido suicida, mas esbarra em limitações de ordem financeira.

O que se segue é uma aproximação, por uma via incomum, entre as duas mulheres tão distintas em suas culturas, mas tão iguais no que há de desolador em ser uma solitária na resolução de problemas aparentemente insolúveis.

Yeong-ran Lee e Clébia Souza em cena de “Fortaleza Hotel”

Se quiserem, há um ‘quê’ de Cinema, aspirinas e urubus em Fortaleza Hotel. Desta vez entre duas personagens femininas – uma nordestina, uma estrangeira (como os homens de aspirinas…) –, machucadas pelo ambiente que as cerca, querendo encontrar paz longe de seu país de origem e com guerras partículas assombrando-as.

Praça, filmando este roteiro cuidadoso de Isadora Rodrigues e Pedro Cândido, é igualmente delicado na apresentação de suas personagens. Consegue, com muito pouco, seduzir e tornar próximo do espectador suas mulheres, dando-lhes fragilidades e fortalezas no momento oportuno – e, por conseguinte, nos ajudando a entende-las melhor.

Pelo menos em dois desses momentos, Armando Praça sublinha seu nome como bom diretor. Num deles, quando Shin é levada por Pilar ao mar para se despedir do marido, jogando pétalas na água, o diretor desenha um arco perfeito.

Sai da contemplação comovida de Pilar sobre Shin, que concentrada, faz seu ritual com as flores. Daí ilustra a vida pela brincadeira de jovens pulando na água, naquele lugar que seria de dor para Shin, até haver o encontro daquela juventude com as pétalas boiando no mar. Desse ponto em diante, o caminho inverso acontece, passando por Shin, chegando a Pilar e encerrando o arco da melancolia da personagem sul-coreana. Não há diálogos. Há apenas a música discreta e competente do Grivo e a fotografia estática de Heloísa Passos

Num outro momento, temos Shin e Pilar na casa da segunda. Ambas embriagadas e dançando num ato libertário e de sororidade, também sem diálogos, com Praça dando espaço, desta vez, para as duas atrizes crescerem em seus talentos. E é o que acontece.

É simples. É bonito. É eficiente.

Que venham outros ‘Armando Praça’.

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