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Críticas

Homem-Aranha: Sem Volta ao Lar

Multiverso abole fronteiras entre franquias e abre possibilidades – inclusive de confundir ainda mais

Por Renato Felix | 23.01.2022 (domingo)

Continuações trazem sempre um problema intrínseco com que o novo filme precisa lidar: o quanto ele depende de que o público tenha visto o anterior? O quanto ele é direcionado apenas para quem é íntimo daquele universo narrativo e o quanto ele é acessível para um novato? O universo cinematográfico Marvel levou essa questão a outro patamar, a partir do momento em que os personagens que estrelam seus próprios filmes participam dos outros e tudo converge para filmes de grupo, como os dos Vingadores. E Homem-aranha – Sem volta ao lar (Spider-Man: No Way Home, EUA, 2021) eleva mais um degrau nesse quebra-cabeça: agora não basta ser íntimo de uma franquia: é bom conhecer as demais séries diferentes do mesmo personagem.

É o multiverso chegando aos filmes, um conceito com que o leitor de quadrinhos já lida desde os anos 1950. Começou quando o Flash dos anos 1940 deixou de ser publicado e um novo Flash foi lançado nos anos 1950. Não demorou muito para que os dois se encontrassem, em uma história que determinava que os dois viviam em “universos” (ou “dimensões”) paralelos. A partir daí, versões diferentes de heróis como Batman ou Super-Homem começaram a ser criadas sem limite, sempre habitando seus próprios universos, o que foi batizado como multiverso.

Não é uma novidade para que assistiu à excelente animação Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) e o conceito é a própria razão de ser da série animada What if (2021) – que, com qualidade oscilante, integra o universo Marvel, lançando versões de personagens conhecidos que devem voltar a aparecer já no futuro Doutor Estranho no Multiverso da loucura, que será lançado este ano. Mas há uma grande diferença de todos eles para Homem-aranha – Sem volta ao lar: nenhum deles trouxe de volta personagens de séries anteriores que levaram o Homem-Aranha ao cinema.

Ou seja: da trilogia estrelada por Tobey Maguire e dirigida por Sam Raimi (2002/ 2004 / 2007) e dos dois filmes com Andrew Garfield e de Marc Webb (2012/ 2014). O trailer já mostrava que diversos vilões desses filmes estariam de volta, num cruzamento entre os três “universos” do herói aracnídeo.

A questão era: isso seria tratado com alguma inteligência ou tudo seria apenas uma grande farra, um grande “fan service” (como chamam estes elementos introduzidos apenas para agradar fãs, sem muita serventia para a trama)?

Por incrível que pareça, Sem volta para casa parte dessa premissa festeira para compor o melhor dos três filmes do Aranha com Tom Holland no papel e dirigidos por Jon Watts [leia sobre o primeiro dessa trilogia, Homem-aranha; De volta ao lar, de 2017, clicando aqui]. Com tanta gente em cena, o filme consegue dar pontos dramáticos para os principais vilões, e até melhorar elementos em relação a suas aparições originais.

Cena de “Homem-aranha – Sem Volta ao lar”

Willem Dafoe, nesse ponto, é o grande destaque. 20 anos depois, seu Duende Verde mostra que é o maior inimigo do Homem-Aranha. A máscara que usava no filme de 2002 e que escondia suas expressões é dispensada a partir de certo momento e Dafoe pode usar todo seu arsenal de caras e bocas. E o péssimo Elektro de Jamie Foxx em O Espetacular Homem-Aranha 2 (2014) é praticamente reinventado.

O uso desses personagens já abria a possibilidade natural das aparições de Tobey Maguire e Andrew Garfield, sobre o que o marketing do filme fez muito suspense e os fãs ficaram em polvorosa pelos possíveis spoilers. Mas convenhamos, é só pensar um pouco: se as opções são que os atores estivessem em cena ou não, seja qual fosse a alternativa, não há surpresa real. Além do mais, cultivar a expectativa do público sobre isso e depois frustrá-la não faria o menor sentido: se Maguire e Garfield não fizessem suas participações, o estúdio rapidamente deixaria isso claro.

 Melhor é saber que Maguire e Garfield não estão no filme como meros animadores de festa, com aparições rápidas e gratuitas, apenas para os gritos da plateia. Eles também têm seus pesos dramáticos e a interação entre o trio de Aranhas é rica, saborosa e respeitosa quanto ás franquias originais. Tobey Maguire, o herói dos anos 2000, faz o tipo maduro e tranquilo; Andrew Garfield, o herói da primeira metade dos anos 2010, carrega o peso da tragédia; e Tom Holland, o herói atual, é o jovem ainda inexperiente, embora já tenha passado por muita coisa.

O filme, assim, se equilibra entre boas ideias, muito movimento esperado, intensidade dramática inesperada, trocas de uniforme sem muita razão de ser e aqueles momentos em que atalhos narrativos são desnecessariamente convenientes – como assim o motorista de Tony Stark tem nos fundos do seu apartamento uma máquina que analisa e constrói qualquer coisa?

Quanto ao multiverso, por um lado as possibilidades de boas histórias se ampliam, assim como o uso disso como desculpa para corrigir uma rota (um filme deu muito errado? É só dizer que se passou em “outro universo”. Querem trazer de volta um herói que morreu em filme anterior? É só trazer de “outro universo”. Tudo depende da cara de pau da Disney).

Por outro lado o espectador que se vire para acompanhar tudo isso, o que já estava bem difícil com apenas um universo Marvel compartilhado. Vai ter que pesar se é necessário saber todos os detalhes do final de O Espetacular Homem-aranha 2 ou se basta ouvir Andrew Garfield contando como foi duro a morte da namorada.

 

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