Um sexagenário fundamental
O São Luiz venceu, com a relevância de sua história, as mudanças urbanísticas e comportamentais da cidade
Por Luiz Joaquim | 18.01.2022 (terça-feira)
– reportagem publicada na revista Continente, edição 141, de setembro de 2012. Foto de Jarbas Jr.
Se do alto do cinema São Luiz houvesse uma câmera de filmar registrando o cenário que o cerca no Recife desde 1952 até hoje, e outra registrando as transformações em seu interior, a primeira nos daria uma interminável gama de ricas informações socioculturais sobre o que levou o centro da capital pernambucana a ser o que é em 2012. A outra câmera, felizmente, forneceria apenas algumas pequenas diferenças pelas quais sofreu o palácio da rua da Aurora.
A própria ideia, há 60 anos, de construir uma sala de exibição de porte tão portentoso por parte do Grupo Severiano Ribeiro nasceu da crença de que, na época, o Recife era uma cidade na qual não apenas se adequava a um empreendimento assim, como também o merecia. O próprio convite para a sua inauguração no dia 6 de setembro, com o filme O Falcão dos Mares, de Raoul Walsh, é explícito nesse sentido. Lá dizia:
“… É que ao entregar ao grande público pernambucano um dos mais luxuosos e bem aparelhados cinemas do Brasil, colocamos a cidade do Recife no âmbito cinematográfico, numa posição de igualdade, se não de superioridade, em relação aos grandes centros do território nacional. E foi a própria cidade do Recife, pelo seu desenvolvimento, pelo progresso manifestado em todas as suas atividades que deu oportunidade a que, acompanhando esse progresso, e esse desenvolvimento, lançássemos ombros a uma realização de tamanha envergadura”.
Como testemunha viva daquele momento, o arquiteto e vice-presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, José Luiz Mota Menezes, afirma que desde a abertura do Teatro Santa Izabel, no século 19, a sociedade recifense não presenciava a abertura de uma casa dedicada à cultura tão luxuosa.
“A chegada do São Luiz corresponde a uma série de situações novas pelo usuário da cidade. O cinema foi responsável pela descentralização do foco de interesse do Bairro do Recife para o bairro de Santo Antônio, para a margem do rio Capibaribe”. O arquiteto lembra que, com a construção do prédio Duarte Coelho pelo engenheiro Américo Rodrigues Campello, abrigando o cinema no térreo, voltava-se a valorizar as vistas para o Capibaribe e a revalidar aquele corredor urbano a partir da cultura.
“Foi por isso que houve um deslocamento dos footings que antes eram feitos pela alta sociedade essencialmente na rua Nova e rua da Imperatriz para o cais da rua do Sol e rua da Aurora, restaurando um valor que estes corredores já possuíam no século 19”, contextualiza.
A planejadora urbana e professora da Universidade Federal de Pernambuco, Norma Lacerda, conta que ainda hoje se surpreende com o fato de o São Luiz ter sido devolvido à sociedade pernambucana. Norma refere-se ao fato de o cinema ter sido fechado em fevereiro de 2007 pelo Severiano Ribeiro e reaberto em dezembro de 2009 sob a coordenação do Governo do Estado, que o compraria por R$ 2,5 milhões em 2011.
“Fui lá recentemente e é incrível como entrar ali ainda provoca uma sensação única. Desde sua inauguração, ele virou uma referência para o Recife. Do ponto de vista arquitetônico, é um trunfo que o Recife ainda tenha um espaço como aquele, com uma decoração interna tão suntuosa que lhe confere uma imponência até hoje”, salienta.
Já no convite de 1952, a decoração era um ponto de destaque. Além de destacar o mural de Lula Cardoso Ayres na sala de espera, justifica o projeto de Pedro Correia de Araújo para o auditório: “A decoração da plateia representa o interior de uma grande tenda real: Vastas tapeçarias suspensas, bordadas com os três lírios de França, sobre os quais repousam dezesseis escudos de guerra, em lembrança das cruzadas. O teto é como um imenso véu de rede, que grossas cordas amarram”.
E continua: “Na frente do palco, os variados ornatos simbolizam as grandes virtudes de um Rei, que desceu do trono para subir a um altar: a Palma (o prêmio eterno da boa aventurança), a Concha (o brasão do peregrino), os Besantes (os arautos do valor), a Flor de Lis (orgulho da casa de França) e os dois ramos policromados (o perfume de todas as virtudes), em cujo colorido os nossos olhos descansam”.
Tanto luxo exigia galhardia também de seu frequentadores. Até a segunda metade dos anos 1960, os homens vestiam seus melhores ternos para entrar no palácio da rua da Aurora. O atual programador do São Luiz, Geraldo Pinho, lembra que na sua primeira vez no São Luiz – aos 12 anos, em 1963, para ver La Violetera, com Sarita Montiel – ainda vivenciou este ritual.
José Luiz Mota Menezes explica que já no final daquela década, uma séria de questões urbanas e sociais propiciaram o relaxamento quanto a exigência do paletó no São Luiz. “Seu entorno começava a já não oferecer tanta facilidade de estacionamento, e como precisava de público, o espaço começou a programar títulos que atraíssem um público jovem. Jovens que vinham de transporte coletivo e vestidos mais à vontade”.
Para Geraldo, ele envelheceu, mas o São Luiz não. “É um cinema moderno desde que foi entregue ao público e o é ainda hoje. Ele, funcionado naquela esquina, quase como uma afronta a uma cidade que é hostil a um cinema de rua. Tem transeunte ali que já me perguntou: Isso aqui é um cinema mesmo?”, recorda.
Norma, que na juventude após uma sessão de cinema não deixava de passar na sorveteria Gemba da rua da Aurora, destaca que hoje é uma covardia comparar o entorno do São Luiz com as opções dos cinemas nos shopping centers. E Geraldo endossa: “Somos apenas um cinema. Não temos praça de alimentação, a gente oferece filmes. Estamos na rua e somos um alvo fácil. É uma casa de cultura, e todas as casas de cultura da cidade precisam melhorar a estrutura para receber seus frequentadores”, diz.
Milton Botler, arquiteto urbanista e coordenador geral do Instituto Pelópidas Silveira – órgão que nasceu na atual gestão da prefeitura do Recife para “pensar o Recife do futuro” –, deixa a questão mais complexa ao explicar que, dos anos 1970 para cá, a população vem passando por um processo de “negação da rua”.
“O que acontece é uma espécie de recolhimento para espaços mais segregados. E isso tem a ver com a massificação do automóvel. Daí começa o esvaziamento do centro, pois tanto o programa habitacional quanto de comércio ali não foram pensados para a cultura do automóvel”, diz o urbanista, que na infância era levado pelo tio ao São Luiz para ver desenhos de Tom & Jerry.
Milton ainda resgata que no final dos anos 1970, os cinemas de rua iniciam um processo de perder o fluxo de público misto, que circulava pela cidade com outros fins. Processo que é consagrado com a chegada do Shopping Center Recife, quando as pessoas começam a usufruir ali de um simulacro de espaço público. “O grande jargão dos shopping centers é No parking, no bussiness [sem estacionamento, sem negócio] e, de fato, a população começa a migrar para estes complexos comerciais”, diz.
Para Milton, este simulacro de espaço público oferecido pelos shoppings, com conforto, segurança e outras opções de lazer, levou ao empobrecimento do centro urbano, pois substituiu o que no passado era uma realidade das ruas.
Dessa maneira, todos parecem concordar que para o Cine São Luiz viver saudável por mais 60 anos, é preciso resgatar estes valores ao centro. “Esse discurso de valorização do centro urbano que estamos vendo atualmente é muito recente e o cinema de rua é uma peça importante aí”, diz o urbanista.
Na experiência de programador Geraldo Pinho, segurança é o item mais desejado pelos seus atuais frequentadores. “As pessoas se inibem de ir nas sessões à noite, mas a gente sabe que para continuar contemporâneo o cinema também precisa se reequipar em termos de tecnologia e, claro, ter uma programação atraente”.
A receita de Geraldo comunga com o pensamento de todos os outros entrevistados para a boa saúde do cinema. “Além de uma reestruturação em seu entorno, a função do São Luiz deve ser reforçada com festivais e uma programação alternativa diferenciada até voltar a ser incorporada à vida cotidiana do Recife. A partir daí, ele vai conseguir sobreviver sem subsídios extravagantes, assim como hoje funciona o Cinema da Fundação Joaquim Nabuco”, vaticinou Botler.
Estou tentando ligar para o cinema São Luís, e não consigo, qual o número, ou zap
Olá, o fone é 3184.3157