Batman (2022)
Depois de quase três horas, Homem-Morcego aprende que a vingança nunca é plena
Por Renato Felix | 15.03.2022 (terça-feira)
“Eu sou a vingança”, se apresenta o herói ao sair das sombras para espancar uns bandidos no começo de Batman (The Batman, EUA, 2022), mais uma versão do personagem, desta vez a cargo de Matt Reeves. Essa sentença fundamenta a longa trama que combina o enfrentamento ao vilão Charada com uma espécie de autoanálise do herói sobre qual é realmente seu objetivo ao se vestir de Homem-Morcego e sair por Gotham City à noite.
Dos anos 1980 para cá, roteiristas, desenhistas e diretores de cinema têm tentado combinar seriedade com os aspectos ridículos dos super-heróis. A expressão “aspectos ridículos” não é uma crítica negativa – eles são divertidos e são parte fundamental do apelo que fez esse tipo de história atravessar mais de 80 anos nos quadrinhos e se tornar o grande filão dos blockbusters no cinema atual.
Mas não é uma combinação fácil. E em nenhum herói isso é mais difícil e, paradoxalmente, mais tentado do que no Batman. Uma parcela barulhenta de fãs do personagem sempre deseja vê-lo retratado em tintas realistas e sombrias, o mais longe possível da autoparódia da série de 1966 (que rendeu, também, o primeiro filme do herói para os cinemas, Batman, o Homem-morcego, de 1968 – em que ele corre por aí tentando se livrar de um bomba daquelas de desenho animado e usa o bat-repelente de tubarões).
Talvez a versão que melhor equilibrou os dois aspectos esteja nos dois filmes de Tim Burton: Batman (1989) e Batman: O Retorno (1992). A postura séria do herói tinha um bom contraste de uma ambientação gótica, mas vibrante, e antagonistas sem medo nenhum do exagero e da caricatura: o Coringa de Jack Nicholson, a Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer e o Pinguim de Danny DeVito, todos inesquecíveis.
A colorida galeria de vilões do personagem, por exemplo, é um constante desafio para versões mais sérias do personagem. A trilogia dirigida por Christopher Nolan é brilhante, mas tirou do Coringa, por exemplo, em Batman, o Cavaleiro das Trevas (2008), o elemento mais fantasioso do homem que perde a sanidade ao cair em um tanque de ácido e ter o rosto desfigurado de modo a parecer, para sempre, um palhaço.
Isso acontece de maneira ainda mais radical neste Batman de Matt Reeves. O Charada (Paul Dano, neste filme), tradicionalmente um sujeito que veste uma roupa estampada com pontos de interrogação e solta dicas ao Batman (Robert Pattinson) sobre os crimes que comete, é completamente reinventado para este filme, para se adequar a uma narrativa que se inspira em thrillers sufocantes como Seven – Os Sete Crimes Capitais (1995), de David Fincher.
Não é exagero nenhum dizer que a versão interpretada por Jim Carrey no serelepe e problemático Batman Eternamente (1995) está mais próxima de como o personagem geralmente era retratado. Mas aquele Charada saltitante e risonho seria muito difícil de combinar com esta visão “fincheriana”. Melhor criar outro personagem e dar o nome do vilão clássico, com um ou outro de seus elementos característicos.
Dentro disso, Batman é um filme muito competente, embora desnecessariamente longo em suas quase três horas de duração. O clima de thriller é construído com muita eficiência e não é desmontado nem mesmo pelo Bruce Wayne de visual emo que, curiosamente, não tem sido atacado como aconteceu com o Peter Parker emo de Homem-Aranha 3 (2007).
Muita gente saudou o “Batman detetive”, um aspecto do personagem que os filmes costumam esquecer (e, a bem da verdade, muitos autores dos quadrinhos também). De fato, há aqui a melhor interação nos cinemas entre o Homem-Morcego e seu amigo comissário Gordon (o sólido Jeffrey Wright). Enquanto em outras versões, a dupla apenas se encontra no alto do prédio da chefatura de polícia para que a missão seja passada e Batman saia à caça, aqui eles investigam cada cena do crime juntos e se esforçam lado a lado para desvendar as pistas do Charada.
Zoe Kravitz e Colin Farrell também defendem bem seus Mulher-Gato e Pinguim, embora o segundo pareça meio desperdiçado em papel coadjuvante que poderia render mais. Mas isso é um mal dos filmes de super-heróis atuais, que recheiam suas tramas com vários vilões e participações sem, muitas vezes, dar conta de todos eles.
Com isso, o filme acaba levando muito mais tempo do que poderia para, através do enfrentamento ideológico com o Charada, o herói chegar a uma epifania. O vilão age também como forma de vingança, atingindo figurões que exploram a cidade. Então, como Batman, o figurão que se veste de morcego e se personifica como “a vingança” reage ao enfrentar alguém que leva a vingança às últimas consequências?
No final, repensando seu papel na história, o Batman que começou se apresentando como “a vingança” esmurrando bandidos (que devem ser turistas em Gotham – afinal, eles perguntam quem é a figura quando a cidade já tem até o batsinal) poderia até citar o Seu Madruga, de Chaves: “A vingança nunca é plena: mata a alma e a envenena”.
Sim, é ridículo, mas o Batman sempre tem sua cota de ridículo – Matt Reeves querendo ou não.
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