27º É Tudo Verdade (2022) – Pele
Mesmo como olhar para as contradições da cidade, o filme surge como uma contribuição tímida aos movimento
Por Marcelo Ikeda | 05.04.2022 (terça-feira)
Em Pele, Marcos Pimentel procura apresentar uma radiografia da vida urbana a partir de um prisma muito particular: as pinturas e pichações expostas em paredes e muros da cidade. Essa certa superfície, ou essa pele, como informa o título, também exprime os desejos e as angústias de seu interior. As pinturas coloridas acabam afirmando as contradições e desigualdades da cidade.
De um lado, Pimentel afirma um olhar original sobre a cidade, a partir de um estilo rigoroso, com planos quase sempre estáticos dessas paisagens restritas, sem som verbal, sem entrevistas ou cartelas que possam inferir qualquer relação de ancoragem. A montagem é a principal responsável pela composição de rimas visuais e pelo fluxo de imagens do filme.
Por esse ponto de vista, Pimentel retoma um olhar formal para a cidade conforme expresso em um conjunto de notáveis documentários-ensaio de curta-metragem, em especial Urbe (2009), Pólis (2009) e Taba (2010), realizados em 35mm num período próximo (é possível vê-los no canal do realizador, clique aqui). Também nesses curtas há um desejo de revelar os desequilíbrios e contradições do processo de desenvolvimento urbano, optando pelo documentário ensaístico, sem ancoragem de informações, a grosso modo como se fosse uma combinação de filmes sinfonias da cidade com (em seus melhores momentos) a poética metafísica da montagem de um Peleshian. Em alguns momentos do início de Taba, também vemos o movimento dos transeuntes sobre os grandes painéis das pinturas dos muros.
No entanto, nesses curtas, a montagem oferece um princípio dinâmico que, em vez de se fixar num único registro, opta por um movimento interno que absorve a própria multiplicidade dos movimentos da cidade. É essa opção de não se contentar por uma única forma de registro que confere a esses curtas notáveis uma vida particular, e seu sentido poético, que surge a partir das fissuras da cidade.
Pouco mais de dez anos depois, vemos em Pele não propriamente uma repetição daqueles procedimentos, nem tampouco um desenvolvimento mas uma certa diluição. A partir de uma montagem blocada, o filme acaba estabelecendo relações de menor dinamicidade em relação aos curtas anteriores. O olhar de Pimentel busca afirmar que os muros exprimem as desigualdades da cidade, mas as relações surgem sem muitas nuances. Exemplo típico é a relação entre imagem e som: quando as imagens nos mostram Marielle, no som ouvimos um coro de mulheres feministas clamando pela ativista política. E assim em diante. Temos a impressão de que o olhar do realizador se cristalizou nas superfícies de um certo dispositivo, como se fosse uma diluição da força inventiva de seus trabalhos anteriores. Mesmo como olhar para as contradições da cidade, o filme surge como uma contribuição tímida aos movimentos urbanos, justamente porque sua pretensão formal impede o filme de se aproximar das pessoas e de seus movimentos. Assim, as opções de Pele acabam não conseguindo conferir potência formal às imagens que se sucedem nem tampouco conseguem trazer para o espectador o desafio de dar corpo à cidade. Assim como em O filme da sacada, ao final paira a sensação de que o (a princípio) original dispositivo acabou no fundo aprisionando o realizador de conferir voos mais altos, atando o filme a uma certa platitude.
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