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Festivais

17ª CineOP ’22: Critérios de preservação, Vertov

O que deve ser guardado, examinado, duplicado, restaurado e digitalizado num acervo, discute a CineOP

Por Luiz Joaquim | 27.06.2022 (segunda-feira)

– acima, imagem de A história da Guerra Civil, inédito de Vertov exibido no CineOP

OURO PRETO (MG) – Tornou-se ponto incontestável e senso comum que a CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto, cuja 17ª edição encerra hoje (27), é o espaço mais rico e apropriado para se debater, pensar e propor alternativas a respeito da preservação do audiovisual brasileiro.

Com a promoção, dentro da Mostra, do Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros (também em sua 17ª edição), o evento acaba por reunir os mais gabaritados profissionais do seguimento da preservação, promovendo mesas em que debates urgentes se impõem à categoria.

Em 2022, com a curadoria de Fernanda Coelho (SP) e Daniela Giovana Siqueira (MT), um dos encontros, na tarde de ontem (26), reuniu na mesa Critérios de seleção: Entre a lembrança e o esquecimento a pesquisadora Rita Marques (com longa experiência como ex-gerente do antigo Centro de documentação – Cedoc – da TV Globo); Marco Dreer, preservador audiovisual e consultor da Fiocruz; Moisés Silva, analista de documentação da TV Manaus; e Daniela Pinheiro, curadora de acervos e pesquisadora audiovisual, que recentemente desenvolveu para a TV Globo um trabalho de seleção e catalogação de arquivos do extinto programa Videoshow, levado ao ar por 30 anos até 2019. Na ocasião, ela revelou que, de um total de 8.892 mídias do programa, 657 foram mantidas após um trabalho de 11 meses de visionamento de todo o material.

A mediação do debate foi da curadora Fernanda Coelho.

A indagação proposta à mesa pela curadoria passava pela inquietação de uma das tarefas mais difíceis do cotidiano de um arquivo audiovisual: fazer a seleção do que vai ser guardado, examinado, duplicado, restaurado, digitalizado e com qual prioridade. E quando se entra no âmbito do arquivo digital, com todas as suas variações ao longo dos últimos 30 anos, o acumulo de todos os arquivos criados torna-se impossível. Quais seriam, então, os critérios e metodologias a aplicar para uma seleção responsável e embasada?

Marco Dreer

Na primeira fala da mesa, Marco Dreer elencou alguns critérios para uma possível hierarquização de prioridades quando se pensa na salvaguarda e restauro de acervo particular ou público, principalmente de material eletrônico e digital.

Conforme Dreer, é:

(1) importante dar prioridade ao acervo conforme os objetivos da instituição;

(2) levar em conta uma avaliação do estado de conservação do arquivo eletrônico mais frágil, considerando os fatores de obsolescência dessa mídia, por exemplo U-Matic, VHS;

(3) entender o valor histórico-cultural de pesquisa do acervo (o que incorrerá em aspectos muito subjetivos);

(4) procurar entender que outros acervos diferentes do seu têm cópias iguais em outra instituições, para daí evitar um trabalho de restauro que já pode ter sido feito em outro espaço;

(5) apurar quais documentos têm restrições legais, uma vez que isso pode inviabilizar a difusão desse mesmo trabalho;

(6) perguntar-se como o material vai atender ao público alvo da instituição;

(7) pensar nos custos para o trabalho de digitalização. Eles precisam, claro, ser considerados. Equipamentos para rodar velhas mídias são raros e caros. A digitalização de um material oriundo da mídia U-matic, por exemplo, sairia quatro vezes mais cara que o da VHS;

(8) É importante fazer testes antes de iniciar o processo da digitalização, de modo a se ter uma projeção do tanto de trabalho a ser feito na digitalização. Dreer calcula que, por exemplo, para digitalizar 60 min. de uma VHS seriam necessárias três horas de trabalho na digitalização;

(9) e avaliar a capacidade técnica da instituição, seja pelos equipamentos disponíveis seja do ponto de vista da equipe.

Na fala seguinte, de Daniela Pinheiro, a pesquisadora ressaltou que, no caso dos acervos privados, é importante levar em conta não apenas a filosofia interna da empresa, mas também à externa, uma vez que os tempos históricos mudam, assim como a situação política e os costumes. Não seria inteligente, portanto, descartar um material que hoje pode parecer desinteressante quando amanhã ele será valioso.

Já o amazonense Moisés Silva ressaltou as dificuldades de atender toda uma rede de TV – incluindo também os estados do Acre, Amapá, Roraima, Rondônia -, com as suas distintas editorias, mediante o enxugamento da equipe. As limitações acabam por promover uma repetição de imagens de arquivo nos noticiários considerando a urgência das demandas e com a equipe reduzida, impossibilitada, assim, de fazer um levantamento mais diversificado em seu próprio acervo.

Por fim, Rita Marques destacou a dificuldade na migração de dados de um servidor para outro servidor, considerando as mudanças de formatos de mídia e, incluindo aí, a necessidade de se criar planilhas que cruzem as informações entre esse servidores.

Rita também lembrou que arquivos muito grandes têm sempre algum material passivo. Sendo assim, é o caso de se fazer um inventário desse passivo, aproveitando os funcionários da casa que melhor conhecem esse material, com informações raras sobre ele.

Sobre como organizar arquivos digitais, a pesquisadora sugeriu que o ideia de arquivismo deveria estar no início da cadeia produtiva, ou seja, seria mais producente se as informações fossem colhidas quando o novo material audiovisual ainda está para ser produzido pela empresa.

Mas nada disso, concluiu Rita, funcionará bem enquanto não houver um padrão de metadados, ou que eloborem cuidados específicos com os arquivos digitais, usualmente muito sensíveis, demandando a criação mínima de três backups e o domínio dos codecs, algo importante a se pensar quando lembramos que os padrões para arquivo digital para a tevê, cinema e streaming são distintos.

Fernanda Coelho

VERTOV INEDITO – Deixando o assunto preservação e restauro ainda mais quente neste Ouro Preto com variação de temperatura, em média, entre 13 e 18 graus Celsius, a noite do domingo encerrou com o programa Preservação exibindo no Cineteatro Sesc o documentário A guerra civil na Rússia (1921), de Dizig Vertov, restaurado e remontado por Nikolai Izvolov.

O filme cobre o desenrolar da Guerra Civil na Rússia (1918-1920) capturando um período crucial do século 20 e mostra figuras históricas como Leon Trotsky. Izvolov organizou a reconstituição, num trabalho de quase dois anos, seguindo instruções do cineasta Grigory Boltyansky (1885-1953).

Antes da sessão, a curadora Fernanda Coelho subiu ao palco com Luís Felipe Labaki, especialista na obra do diretor do clássico Um homem com uma câmera (1929), para contextualizar para a plateia sobre a trajetória do cineasta russo e os outros detalhes do restauro de A guerra civil….

O CineOP disponibilizou hoje (27) uma conversa online entre Luís Felipe e Izvolov sobre as dificuldades e particularidades para a realização desse filme que nunca chegou a ser lançado na época e foi dado como perdido por décadas. Para ver o bate-papo, clique aqui.

– viagem a convite da Mostra

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