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Críticas

Babilônia 2000

Onde há gente?

Por Luiz Joaquim | 12.07.2022 (terça-feira)

– texto originalmente publicado no extinto site Jornal do Commercio (Recife), em 19 de maio de 2001.

O documentário Babilônia 2000, último trabalho de Eduardo Coutinho (de Cabra Marcado para Morrer), passa na Fundaj e dá uma arrebatadora dica de onde há gente de verdade no Brasil.

Fernando Pessoa começa seu Poema em Linha Reta anunciando: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”. E lá pelo meio da poesia ele desabafa: “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente nesse mundo?”. Para quem sai de uma sessão do documentário Babilônia 2000, estreando nesse sábado no Cinema da Fundação [Recife], a resposta é fácil: essa ‘gente’ está no Morro da Babilônia, cuja vista, do seu alto, contempla a orla de Copacabana, no Rio de Janeiro.

Foi lá em cima, dividido entre as favelas Chapéu Mangueira e Babilônia, que o diretor Eduardo Coutinho espalhou cinco câmeras digitais divididas com mais três diretores de filmagens: Consuelo Lins, Daniel Coutinho e Geraldo Pereira. As gravações das quatro equipes começaram, simultaneamente, na manhã de 31 de dezembro de 1999 e seguiram pelas 12 horas subseqüentes, terminando logo após a explosão de fogos de réveillon.

Os registros de depoimentos do filme contêm, em alto teor, o mais legítimo testemunho ora de esperança e alegria, ora de desalento e frustrações, de um pequeno extrato da população daquelas duas comunidades. Somadas, ambas contabilizam quase um milhão de habitantes cujo maior referência a seu respeito, para o resto da sociedade, é a miséria e violência.

Coutinho em ação

Coutinho descortina essa referência embaçada graças à habilidade de infiltrar-se confortável e humildemente no cotidiano daquelas pessoas. O recorte de sua pesquisa são variações da simbólica pergunta “o que você espera com a chegada do novo milênio?”. É a partir daí que o documentarista e companhia vão colhendo informações audiovisuais comprobatórias que a miséria daquele povo (nós, os brasileiros?) pode até ser material, mas nunca espiritual. Cada uma das respostas vem carregada com tanta carga de humanidade, humor e altivez que fica difícil não sentir orgulho de uma gente assim.

A simplicidade operacional escolhida pela equipe do filme não só facilitou sua penetração nas duas comunidades, mas estabeleceu um distanciamento que fica difícil identificar qualquer sorte de influência que possivelmente o documentarista tenha infligido sobre o documentado. Coutinho deixa a boa impressão de que o entrevistado foi ouvido e respeitado em suas idéias. Como resultado, temos o retrato de gente de verdade.

Logo no começo do longa, a voz em off do próprio diretor já explica a proposta do filme, enquanto enquadra sua equipe subindo o Morro Babilônia. Na seqüência, durante as entrevista, vemos, constantemente, a invasão deliberada de técnicos no enquadramento dos entrevistados. Essa metalinguagem, o documentário documentando a si próprio, intensifica a força do realismo no registro, enquanto sua simplicidade deixa espaço para alargar a amplitude do tema.

BANDEIRAS – Passando muito longe de querer altear uma bandeira política, religiosa ou de qualquer outra ideologia, o documentário de Coutinho acaba apresentando-se mais legítimo nesses temas do que outros filmes cujo posicionamento já é adiantado de cara no próprio título do filme. Um exemplo é A Vida em Cana, de Wolney Atalla (?), que inexplicavelmente tomou de Babilônia 2000 os títulos de melhor filme, direção e montagem na mostra competitiva de documentários do 5º Festival de Cinema do Recife.

No 3º Festival de Filmes Brasileiro de Paris, Babilônia teve melhor sorte, quando levou o título de melhor filme no julgamento do público. Caso a platéia recifense tivesse a mesma chance que a francesa teve para votar, certamente o trabalho de Coutinho sairia daqui coroado. Durante sua projeção no Centro de Convenções, o documentário fez o que pouquíssimos longas nacionais de ficção conseguem fazer com o público brasileiro: extrair reações espontâneas e barulhentas de conformidade (e desacordo, simultaneamente) com o que é sugestionado na tela.

Isso porque quem está lá na tela é gente bonita, repito, de verdade. É a menina cujo sonho é ver A Bela e A Fera ao vivo. É a ex-hippie, fã de Janis Joplin, que acredita que o mundo vai se acabar até 2007 com um ‘chips’ instalado na testa das pessoas. É a ex-cozinheira de antigas boates do Rio que exige respeito dos homens. É a locutora da rádio comunitária, saudosa do irmão assassinado e orgulhosa da rigidez de sua educação familiar. É a diarista vaidosa que “nunca ficou sozinha” porque a vida merece ser vivida. É o casal de namorados. É o pai adolescente e é a velhinha alquebrada que apenas espera a morte chegar, mas sorri ao lembrar da juventude nas gafieiras. É gente conhecida. Somos nós.

“Somos nós”

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– texto informativo, publicado na mesma data, sobre a programação de cinema do Recife em 19 de maio de 2001

Múmia, Woody Allen e menininha iraniana.

Uma múmia invade oito salas recifenses de um só vez nesse fim de semana (18.maio.2001). É o longa O Retorno da Múmia (The Mummy Returns, EUA, 2001) – continuação de A Múmia (The Mummy, EUA, 1999) – que deu a Brendan Fraser (de Monkeybone – No Limite da Imaginação, ainda em cartaz) o quase-status de ‘novo Indiana Jones’ do cinema. Desta vez, tudo começa dentro de uma sombria câmara do British Museum de Londres. Alí está para renascer uma antiga força do terror. É 1933, o ano do Escorpião. Oito anos depois, desde que o corajoso legionário Rick O’Connell (Fraser) e a destemida egiptóloga  Evelyn (Rachel Weisz) lutaram contra um bicho feio mumificado por 3.000 anos, o chamado Imhotep (Arnold Vosloo).

Agora Rick e Evelyn aparecem casados e  moram em Londres, onde criam seu filho Alex. Quando uma série de eventos culmina com a descoberta do corpo de Imhotep ressuscitado no British Museum, a múmia volta a vagar pela Terra determinada a concretizar sua busca pela imortalidade. Porém, uma outra força também está solta

no mundo… ela nasceu dos obscuros rituais do misticismo egípcio e é ainda mais poderosa que Imhotep. O encontro das duas criaturas é o que precisa para o universo correr perigo. Novamente os O’Connell darão início a uma corrida desesperada para salvar o mundo, e seu filho, de um mal desses que a gente só se vê no cinema. A direção aqui é o do mesmo Stephen Sommers que esteve a frente da produção anterior.

ALTERNATIVOS – Junto com o excelente Babilônia 2000 de Eduardo Coutinho, o Cinema da Fundação exibe O Espelho (Anahy, Irã, 1997). Neste filme de Jafar Panahi – o mesmo de O Balão Branco – uma menina (Mina Mohammad Khani, a mesma de O Balão… ) espera pela mãe na frente da escola. As colegas todas vão embora, ela fica sozinha, a mãe não chega. A menina impacienta-se e resolve ir para casa sozinha. Aventura-se pelas ruas próximas, chega até mesmo a pegar um ônibus. A partir daí, a narrativa do filme passa a caminhar sobre uma  fina linha que separa a ficção da realidade. Contar mais é estragar a grande surpresa deste filme que lha faz sair da sala pensado no relação entre o cinema e seu espectador.

Ainda no Cinema da Fundação, exclusivamente neste sábado (19.maio.2001) às 22h20, uma pré-estréia imperdível para quem acompanha a carreira iluminada de Woody Allen.

Seu penúltimo filme, Poucas e Boas (Sweet e Lowdown, EUA, 1999). Nessa nova comédia que resgata o Allen de Zelig e Broadway Danny Rose, Sean Penn é o musicista Emmet Ray. Ele se acha o maior guitarrista de jazz dos anos 20 e 30, muito embora todos lembrem dele como o alcoviteiro que era. Cleptomaníaco, mulherengo e viciado em jogo, Ray passa a vida com a mudinha (Samantha Morton), até se casar com Blanche (Uma Thurman) que costuma traí-lo com um segurança mafioso. Allen inspirou-se no cigano Django Reinhardt para compor Ray. Bem próximo da narrativa de Zelig, Poucas e Boas serve para o cineasta dar vazão a uma de suas paixões: o jazz. Penn e Morton concorreram ao Oscar e ao Globo de Ouro ano passado por esse trabalho.

O Cineteatro Apolo traz de volta Amores Possíveis. O filme de Sandra Wernerck, apesar da boa acolhida de público e crítica, não ficou o tempo que devia nos multiplex. Saiu rápido. Para quem perdeu é agenda obrigatória para a semana que entra. A história nos conta os percursos de Carlos. Há 15 anos, ele foi ao cinema encontrar-se com Julia, sua colega de universidade, por quem estava apaixonado. Ela não comparece ao encontro, e ele fica sozinho no hall do cinema, esperando. Durante a espera acontece algo que muda sua vida. Uma cena, um encontro, uma frase pela metade…

Quinze anos depois, acompanhamos três versões possíveis e completamente distintas da vida de Carlos. Em uma delas, ele é um homem que se divide entre a estabilidade de uma vida segura e o casamento morno, e o desejo crescente de viver uma paixão. Na segunda, ele é um homossexual que colocou a paixão acima de tudo. Na terceira vida possível, Carlos é um homem que ainda não descobriu o amor e busca, em sucessivas e desastrosas experiências amorosas, a mulher ideal. Uma é sua vida real. Outra não é sua vida. E uma terceira é a vida que ele desejaria viver. O mistério do filme está em descobrir qual é sua verdadeira vida.

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