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Críticas

O Telefone Preto

Scott Derrickson volta ao campo onde caminha com elegância e nos dá mais um horror para abrirmos os olhos

Por Luiz Joaquim | 20.07.2022 (quarta-feira)

Ainda na primeira parte de O telefone preto (Black Phone, EUA, 2022), quando os personagens são apresentados, o menino latino Robin (Miguel Cazares Mora), envolvido numa briga no colégio, consegue derrubar seu oponente, maior do que ele, com um golpe de artes marciais. Com o oponente já no chão e rendido, Robin não encerra a luta até tirar muito sangue do rosto do outro menino, esmurrando-o uma dezena de vezes. A sequência, com todos os recursos de edição e efeitos sonoros, pode deixar alguns espectadores do século 21 incomodados. Uma informação importante: estamos em 1978, na cidade norte-americana de Denver.

Num segundo momento, numa conversa no banheiro do colégio, entre uma menção e outra a respeito de O massacre da serra elétrica (1974), o protagonista de O telefone preto, Finney (Mason Thames), um garoto pacifista de 13 anos de idade e amigo de Robin, lhe pergunta sobre o momento final daquela briga: “Mas aquilo era mesmo necessário?”. E escuta: “Em casos assim o sangue é muito importante”.

A fala parece soar direta aos tais espectadores do século 21 que se habituaram a consumir violência no cinema sem conferir o mínimo efeito direto da violência física – o sangue – apresentando-se plasticamente em filmes. Que o diga os fãs da Marvel Studios.

A fala entre Finney e Robin é apenas uma das várias pérolas que o roteiro de O telefone preto, adaptado pelo seu diretor Scott Derrickson com C. Robert Cargill, a partir de um conto de Joe Hill (filho de Stephan King e Tabitha King), nos apresenta. Na verdade, o trabalho dos roteiristas soa próximo ao refinado, se comparado ao que se encontra na maioria da produção contemporânea interessada em provocar arrepios e incômodo no espectador.

Final dos anos 1970, os irmãos Finney e Gwen

Isso porque Derrickson e Cargill vão desenhando o desenrolar dos acontecimentos em circuitos paralelos após o envolvimento do protagonista Finney com O Sequestrador (Ethan Hawke), de modo que o próximo passo daquilo que virá no enredo torna-se uma grande incógnita para quem se envolve com o filme (coisa fácil de acontecer). Mas, vale dizer, O telefone preto nos dá no final o que sempre queremos em filmes com serial killer; o que não é exatamente um problema uma vez que, no cinema – em particular o de horror -, interessa mais o ‘como’ se entrega do que ‘o que’ se entrega.

Finney é um típico garoto tímido, silenciosamente interessado numa das garotas do colégio, enquanto tenta fugir das brigas que os valentões insistem em promover contra ele. Não sendo exatamente popular na escola, temos o seu contrário em sua irmã mais nova, Gwen (Madeleine McGraw), que foge do pai violento nas noites de sexta-feira para dormir na casa da amiga, enquanto administra seus sonhos premonitórios que, inclusive, lhe dão dicas sobre os vários garotos desaparecidos em seu bairro nas últimas semanas.

Gwen (Madeleine McGraw) tenta convencer o pai sobre a importância de seus poderes

É no entrecruzamento dos sonhos paranormais de Gwen com Finney em seu cativeiro – com um telefone preto fazendo linha direta com o além – que se desenrola toda a tensão do filme de Derrickson – que, a propósito, chegou a dirigir um Marvel (Doutor Estranho, 2016) mas, felizmente, voltou ao seu terreno aparentemente predileto, o horror, sobre o qual caminha com elegância. Vide, por exemplo, a sua estreia com O exorcismo de Emily Rose (2005).

Além dos impressionantes talentos juvenis de Mason Thames e Madeleine McGraw, o elenco celebra Ethan Hawke muito à vontade aqui num papel não simples de resolver se entendermos que, quase na totalidade de suas aparições, o ator está de máscara (e que máscara!).

Hawke, assustando pelos detalhes

É fácil dizer, portanto, que a beleza – leia-se: o aterrorizante – de sua performance vem, principalmente, dos pequenos detalhes em seus gestos (atenção ao seu pé batendo enquanto adormece na cadeira) combinados com o tom da voz, alternando entre o amigável e o intimidante.

A combinação de talentos não para aí. Em filmes do gênero, a trilha sonora é um parceiro valioso, e o trabalho criado por Mark Korven diz a que veio já nos créditos de abertura. Seu som cobre ali cenas que simulam imagens de Super-8 para nos jogar na atmosfera dos 1970s. Ela, a música, em sua combinação de ruídos envoltos por uma espécie de suspiro eterno, cola fácil, mas sem incomodar pela sua presença, sendo, ao mesmo tempo, marcante. Coisa fina em termos de trilha sonora.

O telefone preto é mais um êxito criativo da produtora Blumhouse, criada em 2000 por Jasom Blum e Amy Israel, que nos deu alguns títulos memoráveis deste século no campo do terror, tais como Atividade paranormal (2007); Sobrenatural (2010); Corra! (2017) e O homem invisível (2020) para ficarmos apenas em quatro deles.

E não se surpreendam se O telefone preto, conforme seu retorno em $, estimular sequências e mais sequências. Se assim for, você deverá se tornar amigo íntimo de Finney e Gwen até a década de 2030. A ver.

 

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