X

0 Comentários

Festivais

55º Brasília (2022) – ‘A Filha do Palhaço’

Encontros e desencontros entre pai, mãe e filha, com toques de humor e verniz melodramático

Por Humberto Silva | 20.11.2022 (domingo)

A Mostra Paralela Festival dos Festival exibiu filmes que circularam em outros eventos. A filha do palhaço, de Pedro Diógenes, esteve na Mostra de Cinema de Gostoso, no Rio Grande do Norte, de onde saiu com os prêmios de público e crítica.

Pedro Diógenes, um dos fundadores do coletivo Alumbramento, chega com A filha… ao seu oitavo longa-metragem. O Alumbramento reservou um dos momentos mais criativos do cinema brasileiro nas últimas décadas. Sobre a produção do coletivo, recomendo a leitura de Fissuras e fronteiras (Editora Sulina, 2019), de Marcelo Ikeda; referência de proa sobre o cinema independente brasileiro contemporâneo.

Coletivo marcado por proposta inovadora, com sua dissolução seus integrantes seguiram com realizações solo, por assim dizer; esse o caso de Pedro Diógenes com A filha do palhaço, que visa uma maior aproximação com o público (a acolhida em Gostoso foi um bom sinal). Nessa aproximação, a absorção de elementos do melodrama e de humor que caracteriza a produção cearense.

Na opção pelo melodrama, noto certa influência de Rainer Werner Fassbinder em A filha…, à medida que Diógenes adota como procedimento um estilo antinaturalista, no qual a presença da câmara é quase invisível para o espectador. Este se vê na situação de julgar a trama sem manipulações sentimentais.

É assim que Diógenes conta a “história” de Renato e sua filha, Joana, uma adolescente de 14 anos. Renato, o palhaço, sobrevive travestido em Silvanelly, que faz apresentações cômicas e caricatas em bares à noite em Fortaleza. Ele foi casado e se separou ao se apaixonar por um rapaz que faleceu num acidente de moto. Com a separação da esposa, ele praticamente não teve contato com Joana.

Vivendo sozinho, Renato recebe de surpresa a visita da filha, que ficaria uma semana com ele. Ambos são praticamente estranhos um para o outro. O primeiro contato entre os dois é tímido, cheio de dedos para não gerar atritos. Atritos que aos poucos são inevitáveis, mas que revelam também semelhanças de temperamento entre pai e filha.

Cena de “A Filha do Palhaço”

A trama segue com cada um dos dois acompanhando o cotidiano do outro, o qual, por sua vez, desvela detalhes particulares de comportamento e humor de ambos. Há momentos de irritação, mas igualmente de cumplicidade: ela o defende com veemência em uma de suas apresentações num bar, quando ele é ofendido por um machista truculento.

A sequência de maior tensão ocorre quando o pai ignora que a filha é alérgica a certo alimento e vai parar no hospital, onde ele simplesmente não consegue responder a perguntas elementares nos procedimentos burocráticos. Tudo termina bem, mas no hospital, numa situação limite, ele desconhece informações básicas sobre a saúde da filha.

A trama tem uma reviravolta quando a mãe de Joana desponta e revela que foi enganada. Para ela, Joana não havia dito que passaria uma semana com pai e sim na casa de uma amiga (adendo: não sou adepto da negação de spoiler, quando, sem este, a crítica não faz sentido).

A filha do palhaço é um filme que “funciona” bem no que se propõe. Não é ambicioso do ponto de vista narrativo e almeja sensibilizar o público. Em meu ponto de vista, pode atingir esse objetivo. As relações humanas, pai, mãe, filha, são mais complexas do que o filme apresenta. Mas não é a complexidade humana que Diógenes tem em vista e sim exibir encontros e desencontros entre pai, mãe e filha, com toques de humor e verniz melodramático.

Não há, de fato, preocupação de Diógenes em expor camadas mais profundas que desvelem motivações de pai, mãe e filha. Fica para o expectador, seguindo o estilo melodramático, apreender sentidos e compor significados, juízos de valor. A filha do palhaço se encerra, creio, com a mensagem de que um e outro permanecem estranhos no rumo de suas vidas. Mas, estranhos, a experiência de convívio numa situação imprevista trouxe revelações que os aproximou, e revelou como ambos são parecidos em seus segredos.

Passada a exibição em festivais, resta esperar que A filha do palhaço tenha a acolhida de público almejada pela direção que o cinema de Pedro Diógenes tomou depois da radicalidade formal do Alumbramento. Esperemos.

Mais Recentes

Publicidade

Publicidade