55º Brasília (2022) – “Rumo”
Pondo o dedo na ferida do racismo
Por Paulo Henrique Silva | 18.11.2022 (sexta-feira)
– na imagem divulgação, equipe de Rumo apresenta o filme no palco do Cine Brasília
A não ser por uma cena de Que horas ela volta?, em que uma das personagens do filme de Anna Muylaert faz uma defesa veemente da lei de cotas nas universidades, um tema tão vital não ganhou – com exceção do curta-metragem Cotas: uma porta aberta, lançado neste ano – eco em outas produções cinematográficas. Pode-se imaginar que a razão desse silêncio esteja na ausência de uma avaliação mais aprofundada sobre os reflexos dessa norma, que deveria ter sido promovida pelo Governo Federal, criando dificuldades para mensurar os benefícios sociais e econômicos mais imediatos.
Apesar desse injustificável clima de incerteza, que alimenta propostas de suspensão da lei de cotas no Congresso, a norma completou uma década em 2022. Com um país cindido politicamente, num ano de eleição, a celebração não ganhou o destaque que deveria. Coube ao filme Rumo, exibido na terceira noite da mostra competitiva do 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, pôr o dedo na ferida e trazer para a tela grande, de uma maneira envolvente e precisa, a discussão sobre a sua importância.
A dupla Bruno Victor e Marcus Azevedo toma como cenário principal a Universidade de Brasília, a primeira a adotar a Lei de Cotas no país. Sem precisar de dados para sustentar a necessidade dessas políticas afirmativas, eles recorrem às pessoas que se beneficiaram dessa oportunidade, exibindo histórias de vida emocionantes. A premissa foi se inserir no meio de uma família negra e contar esses desdobramentos de maneira ficcional. O resultado tem momentos irregulares, mas a intenção não deixa de ser louvável.
Números, como já provou o atual governo, podem ser distorcidos, mas escorá-los com a criação de uma narrativa de negros protagonistas, em que é possível nos identificarmos com as suas conquistas, potencializa uma verdade que é incontestável. Rumo vai além do simples ingresso à universidade e apresenta questões que não são muito divulgadas, como o próprio conteúdo proporcionado por parte dos professores, que exclui o protagonismo negro, levando o racismo para dentro de sala de aula.
Um momento, em particular, se destaca no longa-metragem. É quando a ficção sucumbe ao real, a partir de uma atriz que, ao final das filmagens, faz o vestibular para artes cênicas na UnB e passa. Pode-se dizer que a possibilidade de debater esse tema num filme a levou à tentativa, fundindo duas questões importantes: a constatação da relevância em trazer essa discussão para a tela e os reflexos que essa abordagem pode gerar na defesa de uma política que, esperamos, será reforçada no governo eleito.
Com o avançar da programação do Festival de Brasília, fica cada vez mais nítida a proposta da curadoria de longas-metragens na mostra competitiva. Embora tenhamos alguns trabalhos mais frágeis, se formos olhar o todo, percebe-se que a seleção buscou fazer, nesse que é o primeiro grande festival realizado após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, um retrato desses últimos quatro anos de (des)governo, que deixou de falar com 120 milhões de brasileiros. É a parcela excluída da população que vem ganhando força na tela do Cine Brasília.
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