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Festivais

55º Brasília (’22) Espumas ao Vento + Mato Seco

Estreitando os olhares sobre um Brasil decadente e pessimista

Por Paulo Henrique Silva | 17.11.2022 (quinta-feira)

Há muito em comum entre Mato seco em chamas e Espumas ao vento, filmes que abriram a programação da mostra competitiva do 55º Festival de Brasília do Cinema Brasília. Dos títulos, que evocam um certo movimento na Natureza à realização necessariamente improvisada e urgente, que tem como resultado um frescor que tangencia a política em seu momento de filmagem.

São obras que, ao mesmo tempo em que esgarçam conceitos mais ortodoxos e seguros (Mato seco… consumiu 18 meses de gravação, com todos os riscos que essa escolha pode gerar; enquanto Espumas… mudava o roteiro na noite anterior à ida para o set), intensificam um olhar mais estreito em torno de um Brasil decadente e pessimista, como se caminhasse sobre uma corda bamba a respeito do futuro próximo.

É difícil não analisar ambas agora à luz da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Há uma relação importante entre o interior/a periferia do país com uma proposta de saída a um processo contínuo de deterioração. São pobres, marginalizados sociais e aqueles se tornaram marginalizados (os artistas, no caso de Espumas…) pelas circunstâncias de uma nação que foi propositadamente cindida.

É a Ceilândia – cidade-satélite de Brasília – em Mato seco…. É Caruaru, no interior pernambucano, em Espumas… No primeiro, acompanhamos uma espécie de ficção científica distópica, em que o futuro não nos parece tão longe assim. O incômodo surge justamente dessa fricção com o presente, fazendo emergir um pessimismo social cuja ameaça, ao contrário dos filmes do gênero, não vem de fora.

Quem é esse inimigo? Ele não é representado apenas por um homem, um autocrata, mas sim por um país doente, transformado, longe de um “Brasil gentil” que aprendemos a propagandear. Esse sentido de adoecimento e enfraquecimento do tecido social está fortemente presente no trabalho de Taciano Valério. Há uma analogia à pandemia, que atingiu a equipe de filmagem, mas também um mal maior.

Espumas ao vento já se inicia com esse sentimento de perda, de necessidade de reconfiguração. As duas irmãs artistas irão descobrir (ou não) esse caminho durante a narrativa. São como espumas de vento, que podem ser levadas para uma direção qualquer e, repentinamente, serem desfeitas. Incertezas que, até então, alimentavam o setor artístico. É da cultura mais popular e essencial de que o filme fala.

Ela é, em geral, a voz do interior, amordaçada e reprimida nos últimos anos. Essa cultura popular também se evidencia em Mato seco em chamas, numa grande mistura de ritmos que vai de A montanha, de Roberto Carlos, a Moleka 100 Calcinha, grupo de Ceilândia. Os dois filmes foram feitos nessas frestas, na busca de um oxigênio (nada mais simbólico em tempos pandêmicos) para a arte respirar.

O encontro entre essas espumas e o fogo que incendia o longa de Joana Pimenta e Adirley Queirós é significativo de algo tão simples, mas que vem sendo reforçado constantemente nos discursos de Lula pós-eleição: amor. Uma música de Fagner, também chamada Espumas ao vento, aborda igualmente essa trilha que vai da dispersão do momento (espumas) até o desejo (fogo) para sonhar com um amor perdido.

Tavinho Teixeira em cena de “Espumas ao Vento”

As igrejas evangélicas ganham espaço como oposição ao fazer artístico, especialmente em Espumas…, em que a Igreja Baralho do Amor toma o lugar, literal e figurativamente, dos mamulengos de Caruaru. Faz muito sentido a comparação com Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, lançado no final dos anos de 1970. No lugar do aparelho de TV, Lorde Cigano, líder de uma trupe circense, teria como antagonista o transe religioso.

Também não é por acaso que, em duas obras tão lastreadas na emergência, tenham como protagonistas mulheres, transformadas em heroínas em Mato seco... Elas não estão à espera de John Connor, o salvador de O exterminador do futuro. São o futuro. E esse aspecto fica mais nítido – ainda que um pouco precoce afirmar – ao juntarmos os dois filmes aos demais concorrentes de Brasília.

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