Tromba Trem
Animação é mais que aventura estendida da série e mantém elenco de personagens expressivos e carismáticos
Por Renato Felix | 17.11.2022 (quinta-feira)
Tromba Trem (2010) é uma das melhores séries animadas brasileiras. Começando por um contexto bem criativo, apesar de, sim, serem animais falantes: Gajah, um elefante indiano desmemoriado, Duda, uma tamanduá alto-astral e vegetariana, e uma colônia de cupins atravessa a América Latina num trem. O grupo tenta perseguir um dirigível, de onde o paquiderme caiu antes de perder a memória e o qual a rainha dos cupins afirma que é a nave-mãe que levará seu povo para o planeta de onde vieram – porque os cupins, claro, são muito evoluídos para serem da Terra. Na viagem sem fim, eles vão vivendo aventuras com todo tipo de bicho que encontram. Tromba Trem, o filme, acerta em muitos níveis – e um deles é em se colocar como um ponto de inflexão dessa narrativa.
Antes, logo no começo, acerta ao resumir rapidamente a ambientação da trama e os personagens principais, o que é fudamental para a parcela do público que vai assistir ao filme sem estar familiarizado com a série. Gajah engole uma mosca, se engasga e tem a célebre sequência do “filme da vida” passando em sua mente – com direito a sala de cinema e pipoca para assistir. “Pelo menos o meu filme vai ser bem curto – porque eu não lembro de nada desde que caí daquele dirigível”, sentencia.
No entanto, essa sequência que funciona como uma introdução esperta também tem importância sobre o que vem pela frente, já que o filme vai dando elementos sobre o passado do elefante e sua memória vai começando a juntar os pedaços do quebra-cabeças. Tromba Trem, o filme, não é só um episódio estendido da série, uma aventura a mais: ele se coloca como um possível gran finale para as histórias dessa trupe.
E é uma bela trupe, um rol de personagens cativantes e engraçados, com personalidades bem definidas, traços expressivos e animação movimentada. A dublagem repete o elenco principal da série: Roberto Rodrigues como Gajah, Maíra Kesten como Eduarda Tamanduá Bandeira e Silva, a Duda, e, como o quarteto de cupins principais, Elisa Lucinda, como a Rainha, Luca de Castro, como o Capitão, Hugo Souza, como o intelectual Junior. A eles se unem Marisa Orth, como a jaguatirica popstar Mirella Miramontes, e Caito Mainier, como o gorila sinistro Silas, e Ed Gama, como um calango.
A dublagem exerce papel fundamental na qualidade de Tromba Trem, combinando falas coloquais e cheias de personalidade, provenientes de um elenco oriundo de várias partes do país. Falas que não parecem nunca engessadas, clichê ou que estão sendo lidas num palco de teatro infantil. É realmente um belo trabalho a ser destacado, ainda mais considerando que algumas animações nacionais infelizmente deixam a desejar nesse quesito.
A trama do filme começa para valer quando Gajah viraliza com um vídeo na internet e se torna uma celebridade da noite para o dia. Só que ele também acaba acusado de misteriosos raptos de animais que também estão acontecendo. Logo, ele vai depender da ajuda dos companheiros que deixou para trás, quando os trocou pela fama. A partir daí o filme conta com reviravoltas inesperadas até a surpreendente aparição de um ser humano, até então inédita na série.
A aparição de um elefante indiano no começo da série é literalmente um corpo estranho em Tromba Trem, já que, claro, elefantes não fazem parte da fauna brasileira e tanto a série quanto o filme se esmeram em colocar em seu elenco animais típicos da América Latina, como capivaras, jacarés, urubus, macacos, jumentos e outros.
Também há uma série de brincadeiras com temas atuais, vários deles com piadas que os adultos vão curtir até mais que as crianças, como as agruras de uma ligação para um SAC (onde quem atende é uma gravação do tipo “Se quiser falar sobre sua conta, disque 1”), a efemeridade das redes sociais e da fama, um power point acusador fuleira que lembra muito o de um certo procurador, e a citação a um líder supremo que acreditava que a Terra era plana (“Depois disso, foi só ladeira abaixo”).
Há também um punhado de boas canções, escritas por Felipe Barros, Thiago Facina e pelo diretor Zé Brandão, que assina o filme para o Copa Studios, com roteiro de Debora Guimarães e Pedro Vieira. Tudo casa bem numa narrativa que não apenas assume a missão de revelar em grande estilo segredos que faziam parte do alicerce da trama geral da série, como fala bem sobre amizade – sobre os amigos poderem ser sua família e sobre não ser egoísta com eles. E isso, sem ser tatibitati, mas esperto e descolado.
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