Os Banshees de Inisherin
O agora VS o eterno. A vida VS a arte. Quem merece a vitória?
Por Luiz Joaquim | 31.01.2023 (terça-feira)
Contra o argumento de Pádraic (Colin Farrell) para o ex-amigo ColmSonnyLary (Brendan Gleeson), de que aquilo que eles vinham fazendo ao longo da vida não era ‘jogar conversa fora’ mas sim travar ‘uma boa conversa’, Pádraic escuta de Colm que o que ele deseja agora é empregar melhor seu tempo para criar algo nobre – arte, música – e deixá-lo para a eternidade.
O confronto dessas duas verdades incontornáveis tem sido pouco desdobrado em filmes. E menos ainda com a eloquência e competência dramática que vemos em Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin, Irl./R.Unido/EUA 2022).
O filme foi escrito e dirigido por Martin McDonagh (de Três anúncios para um crime), ganhou dez indicações ao Oscar (veja abaixo) e entra em cartaz no Brasil nesta quinta-feira (2).
Vamos assumir como ‘verdades incontornáveis’ o fato de que a vida é mais valiosa que a arte e que a arte dura mais que vida.
Estamos em março de 1923, na minúscula ilha de Inisherin, a oeste da Irlanda. Enquanto uma Guerra Civil transcorre no Continente, os habitantes da rochosa ilha nem sequer se importam quem merece vencê-la, se o Estado Livre Irlandês ou Exército Republicano Irlandês (o IRA). Em Inisherin a vida parece seguir muito… lentamente… para… a… morte. E só.
Com esse sentimento, o mais velho Colm decide interromper sua amizade de uma vida com o simples e pragmático amigo mais jovem, Pádraic, para se dedicar exclusivamente à composição de uma música com o seu violino.
Sem familiares, sem filhos, Colm quer ser lembrando dali a 50 anos, ou dali a séculos, assim como Mozart ou Beethoven, pela arte. Quer, enfim, deixar para a humanidade algo de valioso em sua passagem por esse mundo.
Já Pádraic quer apenas tomar sua cerveja no pub ao final das tardes ao lado de seu melhor amigo Colm para falar da vida, cuidar de sua jumentinha Jenny, colocar as vacas para pastar e ajudar a irmã Siobhán (Kerry Condon) em casa.
Pádraic é autenticamente feliz com isso e seu mundo começa a ruir com o súbito desdém de Colm.
Tocado por um elenco de arrepiar em sua capacidade dramatúrgica, que inclui o jovem ator Barry Keoghan como o bobo da ilha, chamado Dominic, Os Banshees… é ainda emoldurado pelas desoladas paisagens de horizonte infinito diante do mar, reforçando ainda mais a sensação de isolamento do mundo.
Estes dois homens, Pádraic e Colm, desenhados no roteiro de McDonagh, resumem em intensa e verdadeiramente comovente representação tudo aquilo que pode interessar ou afligir qualquer homem (entenda ‘humanidade’) na Terra: o desejo de ser querido por um igual, e o desejo de ser eterno, custe o que custar.
O desejo pelo agora, comumente vinculado aos tolos, VERSUS o desejo pelo eterno, comumente vinculado aos intelectuais.
A beleza em Os Banshees… está em deixar em medidas iguais – talvez pendendo um pouco mais para o lado de Pádraic – que ambos têm sua razão em seus desejos, e um não precisa ser excludente do outro. Ou precisa?
O fato dessa conclusão poder ser encontrada individualmente e com leituras diferentes pelo espectador só deixa esse novo trabalho de McDonagh ainda mais valioso.
Porém, uma particular sequência, com a sua estrutura dramática, entre Pádraic e a jumentinha Jenny empresta um ar de divino à vida, à amizade, que a arte/música de Colm – homônima ao título do filme – parece não alcançar.
Nesse sentido, Os Banshees… parece assinalar que entre uma (a vida) e a outra (a arte) a escolha é pela vida, ainda que tal provocação parta de uma obra que se apresenta como arte (e é) e eterna (a ver).
Que bom tudo isso.
OSCAR – Além do quarteto principal de atores – Farell, Gleeson, Keoghan e Condon, que concorrem, respectivamente nas categorias de melhor ator, melhores atores coadjuvantes e melhor atriz do Oscar 2023, Os Banshees de Inisherin está na disputa por outras seis estatuetas: Filme, direção, edição, roteiro original, trilha sonora e música original.
A cerimônia de premiação ocorrerá dia 12 de março.
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