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Críticas

Matar Pinochet

A fragilidade da forma.

Por Yuri Lins | 16.02.2023 (quinta-feira)

O filme “Matar Pinochet” (Matar a Pinochet, CL, 2020)  retrata um momento histórico significativo na luta contra a ditadura de Augusto Pinochet e seu impacto na história política do Chile. Embora seja baseado em fatos históricos, o diretor Juan Ignacio Sabatini escolheu retratar a tentativa de assassinato a partir de uma perspectiva ficcional, focando em episódios da vida dos guerrilheiros da Frente Patriótica Manuel Rodriguez no período que antecedeu a operação em Madrid.

No Chile de setembro de 1986, um grupo de jovens liderados pelo ex-professor de educação física Ramiro (Cristián Carvajal), a psicóloga Tamara (Daniela Ramírez) e o jovem Sasha (Gastón Salgado), morador de uma favela em Santiago, planejam assassinar o ditador Augusto Pinochet (Héctor Aguilar). Apesar da brutalidade da ditadura de Pinochet, poucos se atreviam a considerar o impossível. Mas o grupo tem um objetivo comum: acabar com o tirano. O filme Matar Pinochet é baseado na história real do fracassado ataque lançado por um braço armado do Partido Comunista Chileno.

Ao contrário de se concentrar exclusivamente na ação em si, o diretor adota uma narrativa não-linear, intercalando momentos da vida clandestina dos guerrilheiros urbanos com suas vidas pessoais. Através desse enfoque, Sabatini procura mostrar o peso da escolha que os guerrilheiros fizeram em prol de sua causa maior e como isso afetou suas vidas pessoais. No entanto, embora essa abordagem tenha como objetivo desenvolver uma compreensão mais ampla do contexto em que a ação se desenrola, a forma cinematográfica é frágil e sem rigor.

Guerrilheiros abdicam de suas vidas em prol de uma causa

O diretor parece não ter priorizado a clareza na ação das cenas e optou por montar as sequências do filme através de fragmentos de planos, que não se conectam de forma consistente. Para tentar criar coesão entre esses fragmentos, o diretor frequentemente utiliza monólogos em off, que servem para ilustrar as inquietações e sensibilidades dos personagens em cena – talvez numa tentativa de emular os monólogos poéticos de Terrence Malick. Embora essa abordagem possa conferir uma atmosfera mais subjetiva e imersiva, pode tornar a trama confusa

Além disso, a escolha do diretor de fragmentar o espaço cênico serve mais para dispersar a atenção do espectador do que para fazê-lo realmente vivenciar o drama contido nessas cenas. Embora a narrativa aluda a toda a tensão dos acontecimentos, o espectador nunca chega a experienciá-la de forma profunda e significativa. Ademais, a trilha sonora constante, efeitos oníricos e sons graves de suspense tentam agregar ao filme uma intensidade que ele não tem. No entanto, essa tentativa de construir uma tensão constante, mas sem uma encenação consistentemente, acaba por tornar-se excessiva e até cansativa, fazendo com que acaba se distanciando ainda mais da trama.

Apesar de apresentar uma encenação frágil, com caos de planos desconexos, trilha sonora saturada e um texto poético exagerado, o filme possui momentos de beleza que são dignos de destaque. Esses momentos ocorrem quando os guerrilheiros são vistos caminhando pelas ruas, por meio de planos de steadycam e planos-sequência, que capturam a tensão, a paranoia e o risco concreto que acompanham suas vidas clandestinas de luta contra a ditadura.

Pequenos momentos de beleza

Através desses interlúdios de vazio, a câmera de Juan Ignacio Sabatini é capaz de acompanhar os movimentos dos seres humanos clandestinos, proporcionando uma experiência palpável e realista de como é viver sob uma ditadura e lutar contra ela. No entanto, fica a dúvida se estes momentos de clareza foram conscientes por parte do diretor, uma vez que o restante da sua encenação de videoclipe parece se contrapor à clareza, à experiência e à construção de uma realidade interior palpável dos personagens.

Em resumo, “Matar Pinochet” é um filme que sugere mais do que mostra, deixando o espectador com uma sensação de insuficiência. Embora o enfoque na vida dos guerrilheiros da Frente Patriótica Manuel Rodriguez possa ter sido uma escolha interessante, a forma cinematográfica adotada não cumpriu o desafio de estabelecer os personagens com inteligibilidade e de criar uma conexão emocional com o público. 

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