O Colibri
70 anos de solidão
Por Luiz Joaquim | 11.04.2023 (terça-feira)
O colibri (Il Colibrì, Ita., 2022), que estreia nesta quinta-feira (13), é dirigido pela romana Francesca Archibugi. Com poucos títulos lançados no Brasil – talvez seu último trabalho pelas nossas salas de cinema tenha sido o premiado em Veneza A árvore do pico, há 25 anos!
O colibri é, portanto, uma boa oportunidade para conhecer o cinema dessa irrequieta e já experiente italiana com mais de 20 obras no currículo.
Archibugi é, neste Colibri, no mínimo audaciosa ao propor contar em duas horas cinco décadas na vida de um homem bom. A audácia aqui são duas, portanto. Cinco décadas em duas horas + Um homem bom.
E o grande volume de informações que se supõe ao tentar contar a vida de um homem, da infância até a sua morte nem é uma questão pois, aqui, é ponto pacífico que seu roteiro (coescrito com Laura Paolucci a partir do romance de Sandro Veronesi, do excelente Caos calmo) resolve bem esse desafio.
O ponto é o ‘como’ Archibugi resolve distribuir essas informações. E aí talvez tenhamos controvérsia pelas opções da diretora. Isso porque há uma absoluta desobediência (no bom sentido) na cronologia das informações que o espectador receberá sobre a vida do protagonista Marco Carrera (adulto, Pierfrancesco Favino; jovem, Francesco Centorame).
O filme começa bem, com o adolescente Marco com a família num balneário italiano vivendo o seu primeiro amor, por Luisa (adulta, Bérénice Bejo; jovem Elisa Fossati), uma jovem que também flerta com o irmão mais novo de Marco, Giacomo (adulto Alessandro Tedeschi; jovem Niccolò Profeti).
Mas, naquele mesmo verão, Marco, Giacomo e seus pais (Sergio Albelli e Laura Morante) sofrem um golpe desestruturador sob todo os ângulos: o suicídio da primogênita Irene (Fotini Peluso).
Pulamos, talvez, 20 anos no tempo, e encontramos Marco, já um oftalmologista renomado, recebendo a visita do psicanalista Carradori (Nanni Moretti, afiado como sempre). Marco nunca viu Carradoni, mas o seu nome lhe é familiar. Trata-se do responsável pelo tratamento de sua esposa Marina (a polonesa Kasia Smutniak).
Carradori quebra o protocolo ético da profissão de procurar o marido de sua cliente por uma motivação nobre: a desconfiança de que Marco corre risco de morte. Para tanto, o psicanalista elabora uma série de perguntas a ele, para a surpresa de Marco, sobre a sua paixão secreto por Luísa.
Em outras palavras: com pouco minutos, O colibri conquista o espectador, colocando-o no lugar da dúvida do protagonista: Afinal, como o psicanalista de sua esposa sabe tanto sobre a sua paixão “secreta” de toda uma existência, e em que sentido a sua vida está em risco?
Essa é uma resposta que será diluída em blocos de situações independentes dentro do enredo, e não totalmente respondida, ao longo de O colibri.
Archibugi, com a sua montadora Esmeralda Calabria, parecem ter criado a estrutura narrativa do filme pensando numa pintura complexa, como uma Guernica de Picasso, cujo tema é o amor, e não a guerra, mas cortada em pedaços e remontada aleatoriamente. O experimento resulta, para entender o todo do quadro, na necessidade de observar com cuidado os vários pedaços como partes independentes, memorizando-as para encontrarmos os seus equivalentes encaixes visuais.
O colibri é, portanto, esse mosaico de situações que pulam no tempo da infância de Marco, passando pela juventude, o início da vida adulta, sua maturidade e a velhice (mas não nessa ordem), tendo como baliza a generosidade, a lealdade e a retidão de Marco nas mais de seis décadas que acompanhamos a sua vida.
Não há novidade nessa brincadeira no campo da edição de imagens, mas aqui Archibugi parece querer desafiar o espectador, oferecendo quase nada como ponto de referência sobre quem é quem no passado, no presente e no futuro.
O que é, podemos dizer, um problema nos minutos iniciais do filme ou, ao menos, até ficarem estabelecidos os vínculos entre todos os personagens – um ‘estabelecimento’, vale dizer, protelado até a segunda metade dos 126 minutos de duração da obra.
A inserção contínua de novos personagens – a filha pequena de Marco, a mesma filha já adulta, a neta pequena de Marco e mesma neta já uma jovem adulta – sem aviso prévio também ajudam a bagunçar a perspectiva sobre quem é realmente importante aqui além do protagonista.
Luísa, por exemplo, é uma personagem crucial até a primeira metade do filme, mas sua força simplesmente não existe na metade subsequente. Lá na metade final, a filha e neta de Marco parecem buscar mais espaço nesta obra que tenta desenhar a vida de um homem tristemente solitário e vítima de sua própria bondade.
O certo é que o contorcionismo da montadora Calabria merece crédito aqui. E muito. Mesmo que o final seja previsível pela dica de uma conversa entre Marco e sua filha ainda criança sobre como resolver o medo da morte.
O mérito reside em nos manter interessados, até o fim, no desfecho desse filme sem um rumo aparente.
Pensando bem, talvez a única forma aqui de tentar desviar o espectador da previsibilidade fosse contorcer a forma. Fosse emaranhar o enredo pela montagem temporalmente confusa. É, enfim, uma boa peça de estudo de montagem. Mas é só.
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