A História da Minha Mulher
Romance na Torre de Babel e seus ruídos comunicacionais e cinematográficos
Por Luiz Joaquim | 15.06.2023 (quinta-feira)
A história da minha mulher (A feleségem története, Hun., Ale., Fra., Ita., 2021) finalmente estreia no circuito exibidor brasileiro. Estamos falando do longa-metragem seguinte da cineasta húngara Ildikó Enyedi ao seu bom Corpo e alma. Este, que venceu o Urso de Ouro em Berlim 2017 e colocou a Hungria na corrida do Oscar 2018 na categoria filme internacional, abriu as portas do mundo para Enyedi. No Recife, A história da minha mulher pode ser visto no Cinema da Fundação/Porto e no Cine Rosa e Silva.
O resultado dessa abertura está claramente estampado nesta dispendiosa produção multinacional que explicita pelo seu elenco – e em outros setores da produção, podemos imaginar – uma espécie de cota para cada país coprodutor.
Protagoniza o filme o ótimo ator holandês Gijs Naber. Como sua parceira romântica está a francesa Léa Seydoux, sendo o amante dela vivido pelo conterrâneo Louis Garrel. Já o parceiro vigarista do protagonista é interpretado pelo italiano Sergio Rubini, e a jovem amante do personagem de Naber está na pela da suíça Luna Wedler.
A Babel cinematográfica este refletida também na solução para o idioma corrente no filme: o inglês, com uma ou outra fala curta do idioma original do elenco principal. No caso, como não temos uma afinação de sotaques, o que se escuta é uma inclinação de tom para o inglês conforme a nacionalidade do ator/atriz. E isso não colabora para envolver. Pelo contrário, nos distrai e penaliza a atuação de gente historicamente competente atuando em seu idioma de origem, como Rubini.
Ainda que envolvente em seu conjunto – principalmente pelo trabalho delicado do fotógrafo Marcell Rév em comunhão com uma direção de arte Beatrix Petõ, que nos situa bem num passado não definido, naquilo que parece ser o início do século 20 – A história da minha mulher peca pela sua narrativa lacunar. Lacunar não por opção, mas por deficiência mesmo.
Adaptado do romance homônimo do húngaro Milán Füst, o roteiro escrito pela própria Enyedi não parecer ser um problema. Nem a sua direção (exceto pelo desafinado que há na performance do elenco). A fragilidade fica na decisão pelo corte final do filme. Mesmo em seus longos 169 minutos de duração, a obra não dá conta de tantas trilhas abertas pelo livro.
Talvez aí resida o maior conflito da produção. A historia… parece querer abraçar mais do que consegue, o que resulta na diluição de aspectos, imaginamos, valiosos na construção desse personagem complexo que é o capitão Jacob (Naber).
É pela sua voz em off, na abertura do filme, que o escutamos se perguntando: “o que eu diria, em primeiro lugar, a um filho que chega nesse mundo?”. E, encerrando, após conhecermos todo o seu martírio e paixão vividos ao lado da esposa: “o que eu diria a um filho, como despedida desse mundo?”. São sinais orais (e não cinematográficos), aqui apontando que o livro parece ter muito mais a dizer daquilo que estamos vendo na tela.
No começo do enredo, sabemos que é por uma sugestão do cozinheiro de seu navio que Jacob decide se casar. Ele aposta que o fará com a primeira mulher que entrar num restaurante em terra. Acontece de ela ser a sedutora, e de espírito livre, Lizzy (Seydoux, aqui posta para ser linda).
Lizzy topa a inusitada proposta e seguiremos o casal nos momentos iniciais da paixão, passando pela desconfiança quase doentia do marido, até chegarmos à separação. O final não é o que importa aqui. Final, a propósito, de sugestão sobrenatural, quase como um Fim de caso, 1999, de Neil Jordan, mas sem a sua excelência dramatúrgica e de coesão.
Importa sim a trajetória e experimentos do recatado e correto Jacob em conflito consigo mesmo, que irá corromper seus próprios valores para acompanhar Lizzy em suas provocações matrimoniais.
Neste quesito, Gils Naber é um grande acerto. O ator grandalhão tem não apenas uma forte presença em cena, mas também apresenta uma comovente dosagem entre a fragilidade e a fúria que engrandece seu personagem.
Mas é só. As lacunas narrativas, mais uma vez, nos deixam uma grande interrogação sobre o tamanho da complexidade de sentimentos e medos que o personagem de Jacob vive. Sem falar no abandono de personagens satélites – como os de Garrel, Wedler e Rubini – cuja importância nunca são alcançadas aqui.
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