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Críticas

The Flash (texto #2)

Aventura do herói velocista é bagunçada, bizarra e sem sentido, mas acerta no escapismo

Por Renato Felix | 30.06.2023 (sexta-feira)

The Flash vem dividindo muito as opiniões. Já houve quem o chamasse de “pior filme da História” e quem o colocasse entre os cinco melhores filmes de super-heróis já feitos. Exageros de um lado e de outro à parte, um das últimas produções do caótico e geralmente pretensioso universo compartilhado de filmes da DC Comics consegue acertar um tom de diversão ligeira (sem trocadilho).

O conceito de multiverso – vários universos semelhantes, mas com diferenças, coexistindo paralelamente em dimensões diferentes – é comum nos quadrinhos há décadas. E começou justamente com o Flash. A primeira versão do personagem, criada em 1940 e conhecida no Brasil como Joel Ciclone, foi publicada até 1951. Em 1956, a DC relançou o Flash do zero, com o uniforme que ficou famoso até hoje e sem qualquer relação com o anterior.

Em 1961, no entanto, o Flash encontrou o Flash antigo, que – ficou então estabelecido – vivia em uma Terra paralela. A partir daí, a DC adotou esse conceito para todos as versões antigas de seus heróis, personagens de editoras que ela comprou, e toda sorte de versões alternativas. De alguns anos para cá o número cada vez maior de filmes de super-heróis levou a renovações de elenco, mudanças de rota e então a ideia de universos narrativos paralelos surgiu e se tornou o assunto do momento no subgênero.

Nos quadrinhos, o conceito de ‘multiverso’ começou com o Flash.

Homem-Aranha no Aranhaverso (2019) e Doutor Estranho no Multiverso na Loucura (2022) abordaram o assunto diretamente na Marvel, mas sobretudo Homem-Aranha – Sem Volta para Casa reuniu três diferentes intérpretes do herói no cinema, afirmando que um não “substituiu” o outro em uma nova franquia, mas todo coexistem em seus próprios mundos narrativos. E, claro, o multiverso ganhou um Oscar de melhor filme este ano, com Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022).

Enfim, a ideia é potencialmente confusa, mas vai ficando familiar com o passar do tempo e dos filmes e séries de TV. No entanto, multiverso é, na origem, um conceito intimamente ligado ao Flash. E o primeiro filme solo do personagem não deixa de abordar essa tradição. Assim, sabendo que pode voltar no tempo, o herói resolve fazer isso para evitar o assassinato de sua mãe, do qual seu pai foi acusado e está na cadeia, embora seja inocente.

É claro que evitar essa tragédia muda sensivelmente o futuro, provocando a possibilidade de uma tragédia ainda maior. É um plot bastante conhecido de histórias de viagem no tempo, e já usado, por exemplo, na própria série de TV The Flash (2014-2023). Que, aliás, promoveu um rápido encontro entre o Flash da TV e o Flash do cinema, de universos diferentes, em um episódio.

Mas enquanto há um compromisso em estabelecer uma certa lógica em, por exemplo, De Volta para o Futuro (1985) – filme seminal sobre viagens no tempo – essa preocupação inexiste em The Flash. Bagunçado e sem sentido, ele quer convencer que a alteração que ele provoca no passado altera até o passado ainda mais antigo. E que comprar ou não um extrato de tomate num supermercado estadunidense pode alterar a chegada do Super-Homem à Terra, sem estabelecer qual a relação entre os fatos. 

The Flash: bagunçado e sem sentido.

É a desculpa que The Flash encontrou para que Ben Affleck apareça no começo do filme como o Batman padrão dos filmes atuais do universo DC, mas que Michael Keaton (o Homem-Morcego dos filmes de 1989 e 1992) apareça no papel depois. Não há nenhuma justificativa plausível para que Bruce Wayne seja uma pessoa de fisionomia completamente diferente e mais velha, mas o filme não está de modo algum se importando. 

E isso não é o mais bizarro do filme porque nada supera a chuva de bebês CGI esquisitíssimos que o herói velocista salva da queda de um prédio. Felizmente, é lá no começo do filme e podemos esquecer disso até que a cena ressurja lá nos créditos finais (aparentemente, o diretor achou um momento ótimo, digno de ser revisitado).

Bizarro parece uma palavra-chave. Pode ser usada tanto para o problemático Ezra Miller contracenando consigo mesmo como Barry Allen e sua versão mais jovem quanto para as cenas dentro de uma bolha com as viagens no tempo e vislumbres de outros universos, com a recriação de cenas em CGI xaroposo do Super-Homem de Christopher Reeve com a Supermoça de Helen Slater (esta, do filme de 1984) ou do Batman de Adam West, da série de 1966. Também bizarro é não aparecem aí justamente as versões do Flash vividas por John Wesley Shipp (na série de TV de 1990) e Grant Gustin (que foi o herói por oito anos na série que começou em 2014).

“The Flash” faz um festival de referências aos produtos da DC Comics.

Esse festival de referências que posa de tributo à DC – mas é só para que fãs apontem o dedo para a tela dizendo “Olha: fulano! Olha: sicrano!” –  é irrelevante e certamente não terá maior importância em futuros filmes dos heróis da DC (incluindo a piada com a versão que vinga do Batman, na cena final). Até porque o trem agora passa a ser conduzido por James Gunn (da celebrada trilogia Guardiões da Galáxia e do filme bom do Esquadrão Suicida). 

“The Flash” só não marca o final da versão do universo DC cujo pontapé inicial foi dado por Zack Snyder porque vem aí o segundo “Aquaman”, ainda este ano (e no qual Ben Affleck reaparece como Batman). O filme do velocista, no entanto, ganha pontos por ter uma cara mais escapista em vez da pretensão de Snyder. Está muito longe de ser uma obra-prima, mas tem pontos positivos, como convencer na relação predestinada à tragédia entre o herói (Ezra Miller) e sua mãe (a espanhola Maribel Verdú).

Num universo com Batman vs. Superman (2016), Esquadrão Suicida(2016), Liga da Justiça (2017, dois desse!) e Mulher-Maravilha 1984 (2020), The Flash já está acima da média da Warner.

 

Leia agora o nosso primeiro texto dedicado a The Flash:

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