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Críticas

Oppenheimer

O Prometeu norte-americano. Quanto mais violenta internamente, mas rápido uma estrela se destrói

Por Luiz Joaquim | 19.07.2023 (quarta-feira)

Conta a mitologia grega, mais ou menos assim, que o titã Prometeu, simpático aos humanos, roubou o fogo da deusa Héstia para dá-lo ao homem. Receoso que os mortais se tornassem tão poderosos quanto os deuses, Zeus castigou Prometeu, deixando-o amarrado a uma rocha por toda a eternidade enquanto, dia após dia, um corvo comeria um pouco do seu fígado sem nunca chegar ao fim. 

Conta Oppenheimer (idem, EUA, 2023), mais ou menos assim, que o físico nuclear norte-americano J. Robert Oppenheimer (1904-1967), simpático aos Estados Unidos da América, convenceu as melhores cabeças pensantes ao seu alcance para criar o maior e mais mortal cogumelo de fogo que a humanidade iria testemunhar no ano de 1945, em Hiroshima e Nagasaki. “Roubou” da física quântica o conhecimento supremo sobre o poder da natureza para criar a maior arma de morte coletiva instantânea que já existiu. O cientista, por isso, ganharia fama mundial e prestígio em seu país, sendo paradoxalmente “condenado” pela sua invenção e pela sua própria consciência. 

Receoso que Oppenheimer, sua fama e suas ideias humanitárias se tornassem mais influentes na sociedade que a própria decisão do governo em manter a corrida armamentista nuclear contra os soviéticos, a Comissão de Energia Atômica dos EUA (CEA) daquele país montou uma armadilha, disfarçada de julgamento, para condenar perante a sociedade, e por toda a eternidade, os valores que motivaram o titã da física a inventar a ogiva nuclear, com o corvo da opinião pública comendo seu fígado aos poucos, por toda a eternidade.

Na literatura, a condenação eterna foi até o lançamento em 2005 do livro Prometeu americano: O triunfo e a tragédia de J. Robert Oppenheimer, quando os autores Kai Bird e Martin J. Sherwin contextualizam, em detalhes, os meios pelos quais Oppenheimer foi desmoralizado pela CEA após a glória da Segunda Guerra.

Pelo cinema, a condenação encerra-se nesta semana, quando Christopher Nolan apresenta sua adaptação do livro, roteirizada por ele, para o mundo, num filme com três horas de duração, divididos em três atos bastante marcados: a descoberta da fissão nuclear; a construção da bomba H e o temor pela condenação pública.

Tudo isso com uma narrativa correndo em paralelo por três tempos distintos: a audiência privada, nos anos 1950, que revogou a sua participação no comitê da CEA; a escalada de seu prestígio como físico até assumir o controle do Projeto Manhattan, para construir e testar as primeiras bombas atômicas em Los Alamos, deserto no estado do Novo México, em 1945, e o debate público que assumiu contra os militares e o governo norte-americano no final dos 1940s contra o desenvolvimento da bomba H.  

Para contar essa história de um questionável ‘herói americano’, Nolan conquistou um elenco estelar, mesmo que para cumprir papéis pequenos (e, ainda assim, fundamentais), como o de Rami Malek (Oscar por Bohemian rhapsody) e Casey Affleck (2 Oscars, um deles por Manchester à beira-mar) ou um Matthew Modine, um Gary Oldman (como o presidente Truman), Kenneth Branagh (Borh) e Jason Clarke (o promotor Robb). 

Sem falar do elenco central encabeçado pelo popular Cillian Murphy (Oppenheimer), Emiliy Blunt (sua esposa Kitty), Matt Damon (General Leslie Groves) e Robert Downey Jr. (Lewis Strauss),além de Florence Pugh (a amante Tatlock). 

Elenco estelar: Todos querem trabalhar com Nolan? À direito, de óculos e envelhecido por maquiagem, Robert Downey Jr. como Strauss.

Dito isso, visto o filme, a ideia é a de que Nolan tem tanto poder em Hollywood quanto Oppenheimer tinha na física quântica, na medida em que ele convence a indústria cinematográfica a colocar seu projeto no mundo, ao custo de US$ 100 milhões (valor mediado para seus padrões – Batman, o cavaleiro das trevas ressurge custou US$ 250 milhões), e num longa-metragem que pela duração, de pronto, espanta exibidores e até o público ordinário das salas de cinema (e ainda num momento de estruturação póspandêmica).

Parece muito, e é, para um filme cujo plano é mesclar a apresentação de um personagem dúbio e confuso em suas intenções (para daí lhe dar a cara do herói injustiçado), que oscilam entre a vaidade intelectual e o desejo pela vitória da Segunda Guerra, com os efeitos visuais e sonoros que levem o espectador ao espetáculo macabro de uma explosão nuclear. 

Projeto para o IMAX, de 100 milhões de dólares. Modesto, até, para o padrão Nolan.

Se por um lado a sutileza das performances – boa performance, registre-se – de Murphy e de todo o elenco fica soterrada pelo falatório explicativo do roteiro de Nolan, os efeitos especiais não saciam pelos habituais termos do cinema do entretenimento. 

E ainda que Nolan aqui resolva primorosamente o desenho de som, trabalhado para o formato Imax 6 Tracks, com mais detalhamento surround, sua trilha sonora (de Ludwig Göransson) é equivocada e constantemente presente, permitindo um solitário momento de silêncio apenas para o óbvio segundo antes do grande BUUMMM! da bomba atômica. 

Não há respiro sonoro em Oppenheimer, quando não estamos sufocados pelos diálogos, estamos sufocados pela trilha, sendo a maior parte do tempo sufocados por ambos, simultaneamente.

A propósito da sequência responsável pela expectativa da grande explosão em Los Alamos, Nolan apenas pôs em prática o que Hitchcock já contava a Truffaut a mais de 60 anos. Algo como: se o espectador sabe que uma bomba vai explodir debaixo da mesa enquanto os personagens continuam conversando, a tensão traz o espectador para dentro da cena.

Criador e criatura: A bomba vai explodir! A bomba vai explodir!

Mas vale dizer que Nolan não se tornou respeitado na indústria por acaso. E, em Oppenheimer, se há um acerto digno de nota para a sua inventividade cinematográfica, ela se dá longe dos efeitos visuais rocambolescos. Ela passa longe do ensurdecedor barulho das explosões e da música épica que sobe enquanto seu protagonista simplesmente pega um chapéu e um charuto sobre a mesa.

A maior beleza de construção cinematográfica de Oppenheimer se dá durante um dos depoimentos do cientista à audiência para a renovação de credenciamento à CEA. Ele fala da sua história, no passado, com a amante enquanto a esposa, logo atrás dele, escuta o segredo do casal sendo exposta publicamente. 

Oppenheimer (Murphy) e esposa Kitty (Blunt) na audiência viciada que o condenou perante à sociedade.

É um nível muito alto de humilhação diante dos promotores, tanto para Oppenheimer quanto para a sua esposa. Humilhação que Nolan visualmente resolve de maneira magistral por um simples deslocamento de câmera e com o que há de inusitado no corpo nu exposto num lugar indevido. 

Impressiona a capacidade, aqui, de traduzir ao espectador a dimensão do constrangimento dos personagens. É a típica solução/representação artística que só se é alcança pelo cinema. 

Não pelo teatro. Não pela literatura ou música. Pelo cinema.

 

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